2.2 Posição dos Contratos Agrários
no ordenamento jurídico: dicotomia - Direito Público e Direito Privado
Podemos dizer que a temática Contratos
Agrários constitui-se num instituto autônomo do Direito Agrário, de modo que
também poderá constituir-se numa disciplina autônoma, se assim quiséssemos
aprofundar a pesquisa. Prova disso, prendemo-nos no fato de que eles têm
destaque no Estatuto da Terra no CAPÍTULO IV “Do Uso ou da Posse Temporária da Terra”
e
encontram-se
regulamentados no Decreto 59.566/66 formando um micro-sistema legislativo.
Muito embora, o direito, como um todo,
possa ser considerado como uma unidade indivisível e o estudo dos contratos
agrários dependente de conceitos e regras ditadas por outros institutos
jurídicos – numa visão integrativa do direito para que não haja lacunas, o
certo é que os contratos agrários formam um corpo legislativo próprio. Com
isso, ao regular os fatos ocorridos em seu campo de atuação, procurando uma
solução ou resposta adequada, ganha autonomia.
Ressalte-se, mesmo estando
caracterizado como autônomo, em caso de ausência ou lacuna no seu âmbito
disciplinar para regular determinada conduta, a solução deverá ser buscada
dentro do próprio sistema jurídico, ou seja, o “direito” como um todo. Como
ocorre com as demais disciplinas, direito comercial, civil, tributário etc.
Portanto, esse sistema legislativo que
regulamentou os contratos agrários, forma uma disciplina, salvo melhor juízo de
quem assim não pensa. Desse modo, se a assertiva nos leva a afirmarmos de que
efetivamente forma uma disciplina, então devemos conhecer seu ramo de atuação
no mundo jurídico, se pertencente ao Direito Público ou Privado.
Vejamos. Os Contratos Agrários estão
posicionados, por carregarem traços de aproximação conceitual, no limiar da
definição daquilo que em institutos similares pertenceria ao Direito
Público. Mas para se diferenciar desse
modelo unívoco, também contém parte da gênese do Estado Liberal classificado e
compreendido como Direito Privado em que impera a liberdade das partes. Essas
duas faces decorrem do fato de que naquele o Estado tem um nítido interesse
intervindo fortemente na relação contratual através de normas cogentes,
inibindo a ampla liberdade das partes, em prol do interesse coletivo, na busca
da eqüidade. Por outro lado, os contratos agrários também não se separam dos
conceitos de direito privado, posto caracterizarem dentro do Estatuto da Terra
clara relação de negócio que permite explorar o capital (propriedade da terra)
para obter rendas. Nesse caso, trata-se da mais notória visão capitalista que
sempre esteve presente nas civilizações e que ainda continua atual: o dogma
capital versus trabalho.
Ad argumentandum, os Contratos Agrários, enquanto
fulcrados na liberdade de o proprietário dispor do seu bem imóvel, ainda que
temporariamente, qualifica-se, dentro dessa ótica, como atividade típica da
iniciativa privada. No dizer de Eduardo Lorenzetti Marques[1]: “O
conceito de negócio jurídico possui base ideológica no Estado Liberal, cuja
característica essencial é a preservação da liberdade do indivíduo em face do
Estado. Por conseguinte concebeu-se o negócio jurídico como o maior
instrumento de realização da vontade individual, tudo isso por meio da
liberdade contratual que, em princípio, era querida sem limites”.
Contemporaneamente, os contratos agrários são
limitados pelo evidente interesse do Estado nessas relações individuais em prol
do homem campesino. O Trabalhador Rural freqüentemente encontra-se desprovido
de fortuna, bens e capital, tendo como eficazes instrumentos os seus braços
para o trabalho, empregando a força e a resistência do corpo. Contudo muitos
deles sem a posse da terra para o exercício da profissão que lhes seria
natural. De outra parte, outros, titulados donos da terra, dela se servem como
capital para obter rendas. Alguns donos/proprietários vão mais além ao
simularem um pacto negocial, objetivando sonegar uma verdadeira relação de
emprego com o trabalhador campesino. Esse equilíbrio entre a propriedade e o
trabalho é que se pretende alcançar através do uso temporário da terra,
protegido normativamente, em prol da eqüidade no campo.
Poderíamos então, dizer que os
contratos agrários estariam inseridos no ramo do direito privado naquilo que
vierem regular os interesses nas relações entre as partes, assegurando a
fruição de seus bens. Por outro lado, se inserem também no Direito Público, na
parte em que a legislação objetiva regular os interesse do Estado e da
sociedade, uma vez que, vias de regra, existem interesses das partes os quais
devem ser equilibrados em prol dos contratados arrendatários e parceiros, por
vezes fragilizados, resguardando desse modo o interesse geral da sociedade.
Podemos também dizer que os não
proprietários geralmente são considerados pelas normas agrárias como
hipossuficientes.
Em conclusão, há de se afirmar que os
contratos agrários não pertencem de forma plena ao ramo do Direito Público nem
ao Privado, mas deles se utilizam ou se incluem de modo mitigado ou sui
generes, podendo causar inúmeras discussões doutrinárias quanto a essa
classificação.
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