domingo, 31 de julho de 2016

O Todo

A expressão “O Todo” que abusivamente adoto, tornou-se meu dogma linguístico. Portanto, tenho que explicar, ainda que para mim mesmo.
Não tenho razão de me prender nisso, pois para alguns seria um holismo ou mesmo coletivismo de há muito adotado, seja considerando o universo, a cidade, a tribo ou outro corpo coletivo como tal. Porém, em qualquer destas situações sempre existirão partes ainda que inexista a liberdade individual. Já havia mencionado a referida linguagem onde me referi que "A parte existe em função do todo, mas o todo não existe em função da parte.” Citando um exemplo disso no texto Tudo é Valor e Não Valor: “Mas o oceano sobrevive sem a baleia, no entanto a baleia não vive sem o oceano, uma vez que ela é apenas contingente. O valor e não valor sobrevive sem o direito, mas o direito não sobrevive sem os valores por ser contingente deles (vide o efeito sombra do direito).”
http://utquid.blogspot.com.br/.../tudo-e-valor-e-nao.... 
Outros poderiam até dizer que o egoísmo está na parte e o altruísmo no coletivo. Numa fria análise, diria que a parte jamais seria emancipada do todo. Não poderíamos tratar a baleia senão o oceano para curar as baleias. Não poderíamos curar o indivíduo, senão apenas combater as epidemias, endemias e pandemias. Não poderíamos punir o indivíduo senão em sanear a sociedade. Levado ao extremo, eu passaria a amar apenas minha tribo e não ao próximo, não havendo mais privado ou individual. Dessa maneira eu seria condicionado ao todo e jamais me emanciparia pelo incondicionado, seria um elemento causal de “o todo”. Não nego que a ideia do todo tem muito sentido e é exemplarmente aplicada nas funções que exigem disciplina e ordem e as partes integram e se submetendo ao todo. Vejamos então que "o todo" no
totalitarismo tem sucesso na esfera militar em que a disciplina está acima de tudo mesmo na paz, passando a vida inteira numa total mobilização. Mas “o todo” pode considerar o indivíduo como um contingente, enveredando pelo caminho em direção do totalitarismo político, sacrificando até mesmo a ética, uma vez que a ética e moral nesse viés será um critério ou interesse do Estado, do todo e não do indivíduo. Então numa república a ideia de o todo pode ser totalitária enquanto regime político, cuja liberdade se pratica apenas pela submissão ao todo, quando em harmonia com o Estado, ou melhor, de acordo com seu líder. O indivíduo está num nível inferior de valor e o Estado não se ajusta às reivindicações dos indivíduos enquanto partes. Mas a totalidade pode estar no grupo ou na tribo a que pertenço e a ética passa a ser ditada pelo grupo ou tribo, daí desaparece a virtude individual e cada um deve adaptar-se ao seu lugar certo, não devendo se afastar. A justiça passa ser universal ou comum do ponto de vista da moralidade totalitária e diria  que de certo modo baseada numa forma jusnaturalista fundada em princípios gerais, desde que satisfizesse ao interesse geral de liderança. Então a estabilidade está no todo e não nas partes. E o racionalismo deixa de ser individual para ser de liderança por um egoísmo coletivo, ou de consciência coletiva, superando a razão.
Vejamos que as teorias de responsabilidade do estado mudariam, pois a responsabilidade civil do Estado vista hoje sob o enfoque de três teorias: a teoria da culpa administrativa, a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral. Mas se adotarmos uma visão totalitária, a posição defensável por mais adequada seria a da inexistência de indenização, uma vez que o todo não causa prejuízo às partes, ou seja, o totalitarismo se igualaria ao liberalismo dos extremos ou mesmo do absolutismo. Mas num Estado democrático, onde “a parte” tem a liberdade, a responsabilidade civil deve ser vista no mínimo sob o enfoque da teoria subjetivista, inclusive a do Estado, uma vez que somos responsáveis pela escolha dos representantes. Deixo de me aprofundar nessa questão, mas abrindo apenas um viés para que pensamentos filosóficos possam ser pesquisados nesse sentido (em especial o da responsabilidade do Estado). Aqui apenas quero chamar a atenção ao tipo de responsabilidade civil seja do Estado ou do Individuo numa sociedade fechada decorrente de uma consciência coletiva (que se aproxima da sociedade absolutista) que se diferencia da outra sociedade aberta em que os indivíduos são confrontados com decisões pessoais que chamaremos de Sociedade Democrática.
Se adentrasse no âmbito da religião falaria apenas de maneira leiga e diria que “o todo” seria qualificado como uma forma de egoísmo divino, mas que para nós após a dita expulsão do paraíso deixou de existir. Então Deus no primeiro momento da criação foi egoísta sim. Afirma a religião que fez apenas uma criatura completa dizendo ser sua imagem e semelhança – “a imagem e semelhança do todo”, pois tudo se resumia na imagem e semelhança, num eterno e inalterado Paraíso. Depois mudou de ideia, fazendo mais um Ser para companhia do criado, e finalmente autorizou a procriação da espécie humana, estabelecendo leis naturais e as convencionais para seguirmos o fluxo da criação, “contribuindo e usufruindo”. E ainda para que não fossemos inteiramente egoístas, nos tornou perecível enquanto indivíduo, porém imperecível na espécie pela procriação: nascer, viver e perecer num eterno ciclo, motivo pelo qual pudéssemos através de escolhas, as pessoas viverem em união. Assim, dividiu nossa compreensão do tempo entre eternidade que passou e toda a eternidade vindoura, pois antes a eternidade era única. Ficamos, enquanto indivíduo, no meio dos extremos, com a menor parte desse longo tempo. Por isso, se isolados da espécie seremos sempre um “meio” e nunca um fim em si mesmo! Concedeu-nos apenas milésimos do tempo infinito da criação para passarmos aqui na terra! Muito pouco, por vezes nos faltará tempo para realizar as obras do bem e até mesmo para o arrependimento, pois da criança à velhice não há qualquer eternidade, senão apenas um espaço e o inexorável tempo médio de duração que cabem dentro da memória, porém, contendo um inevitável fim de nossa presença física sobre a terra. Tornou-nos perecíveis! Esgotada essa medida, nos leva o único bem valioso, a vida! E ainda nos fez individualmente egoístas, ao queremos agir mais do que meios, senão seguirmos o inevitável fluxo das leis naturais e convencionais da humanidade! Portanto, somos parte, pois ficamos de fora do todo (eterno) e apenas vivemos em união para o bem do todo. Numa aliança.
Milton Luiz Gazaniga de Oliveira

(texto sujeito a modificações) 

quinta-feira, 21 de julho de 2016

A Verdade

O oposto da verdade, sendo um dos antônimos, é a mentira, mas procurar a verdade através da mentira seria uma tarefa desmesurada.
Estou convencido que a verdade se encontra distante da imitação, e desta até aquela existe um caminho possível de se conhecer. Então, parece-me que a verdade se difere da imitação!  Claro, a arte de imitar está bem longe da verdade, pois a imitação não passa de uma aparição. Contudo a imitação pode facilmente ludibriar as crianças e os homens ignorantes. Um bom pintor (e o marqueteiro imita o pintor!) pode imitar a figura de um autêntico trabalhador e quem olha de longe ou viu rapidamente, passa a ter a imitação como verdade.
Um charlatão não consegue extremar a ciência que imita. Por isso, não será um médico, senão um imitador da linguagem dos médicos. E assim também fazem os falsos filósofos, imitam a linguagem dos filósofos, mas não conhecem a filosofia, não possuem "amor à sabedoria", tanto no estudo de problemas fundamentais relacionados à existência, ao conhecimento, à verdade, como nos valores morais e estéticos, à mente, à linguagem e a razão. Um falso filósofo vive na doxa (sofista), que é baseado somente na aparência.
Se uma pessoa pudesse fazer o objeto e a perfeita imitação dele pela imagem, possivelmente poria está última aptidão na primeira linha de sua vida. Passaria então a imitar. Mas se fosse conhecedor profundo das coisas que imita teria sua aptidão mais voltada às obras do que a imitação.
Do mesmo modo posso criar objetos e tudo o que existir perto de mim, até onde a luz permitir sem oclusão. Neste caso me utilizo do espelho. No entanto, o que vejo não é verdadeiro, tal como uma pintura, é aparente. Por outro lado se sou proprietário de um automóvel não o tenho como verdadeiro, uma vez que foi apenas executada uma ideia, um projeto, passando a ser semelhante, aparente, um carro qualquer. Ademais, se assim penso, o fabricante do carro faz algo que não é verdadeiro, mas alguma coisa de semelhante ao que existe, e que ao mesmo tempo não existe. Mas o homem só conseguiu fazer o motor por tração (semelhante) e não por atração, enquanto causa final: "Aristóteles fala da passagem da Potência ao Ato e afirmou que deveria haver um primeiro motor. Tudo se move de uma para outra condição e até o universo assim estabelece (Deus como causa final, movimento por atração, o motor imóvel) - http://utquid.blogspot.com.br/2016/02/a-liberdade-esta-entre-potencia-e-ato-o.html"
Então, parece que a Arte de Imitar está distante da realidade e longe da verdade esta enquanto pertencente ao Criador, bem como do Artífice que reproduz, pois o imitador mesmo executando tudo ao que parece, atinge uma pequena porção de cada coisa, que não passa de uma aparição. Platão exemplifica: “Por exemplo, dizemos que o pintor nos pintará um sapateiro, um carpinteiro, e os demais artífices, sem nada conhecer dos respectivos ofícios. Mas nem por isso deixará de ludibriar as crianças e os homens ignorantes, se for bom pintor, desenhando um carpinteiro e mostrando-o de longe com a semelhança, que lhe imprimiu, de um autentico carpinteiro” (pag. 296-97).
Na política há falsos artífices, pois apenas poetas idênticos a Homero, afastados nos três pontos da verdade, uma vez que fazem da Imitação a primeira da suposta virtude da verdade. Não conhecem quais são as atividades que tornam os homens melhores ou piores, na vida pública ou particular. Por isso, imitadores das imagens da virtude e dos restantes assuntos sobre os quais compõem em seus textos e discursos, porém, não atingem a verdade, senão aparências. Mas a arte sobre o objeto está em três pontos: a de utilizá-lo, a de confeccioná-lo e a de imitá-lo. Portanto, o bom político deve ter o completo domínio sobre o objeto de modo a utilizá-lo, confeccioná-lo e de imitá-lo. No que se referem as demais profissões basta se especializar num dos pontos sobre o objeto, sem exceder o seu campo, uma vez que se ao contrário fizesse estaria se distanciando ainda mais da verdade.
Assim sendo, a imitação quando fora do palco, da tragédia em si mesma, se distancia do artífice e da verdade criadora, e devemos lançar mãos à medição, ao cálculo, a pesagem de tal modo a prevalecer sobre a aparência. E essas operações podem ser trabalhadas pela razão que está em nossa alma. (No Ideal).
Milton Luiz Gazaniga de Oliveira
Referente:

Platão. A República. Livro X. Martin Claret, São Paulo, 2004. (pags. 293 segs.)

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Quem Governa? Não aos Estigmas. Sim a Organização e Controle!

Quem Governa?!
- A Maioria?
- O Melhor (o bondoso)?
- Os Débeis, aqueles que fazem a lei para proteger a si mesmo. Contudo, persuadem os mais fortes e os mais fracos a levar vantagens?
- Os Mansos que herdarão a terra?
- Os mais Sábios, seguidos pelos Ignorantes e os mais Fortes?
- Uma Raça Superior, utilizando-se do discurso de uma teoria moral totalitária, porém fictícias, de quem a humanidade recentemente se livrou?
- As Prerrogativas de Classes que portam a justiça, e que reivindicam serem eles necessários para sustentar a estabilidade do Estado?
- A Liderança Historicista enquanto governante e portador de um programa político contendo idéias morais de grupo tais como de justiça social, a bondade, beleza, sabedoria, verdade e felicidade, hábil ao adestramento ideológico?
- Aquele que conhece a Arte de Governar?
- A Vontade Geral (a Lei)?
- Os Trabalhadores da Indústria?
- O Povo?
- Os Estigmatizados, demonstrando as marcas e exigindo reparação?!
Parece-me que alguns dos padrões de Governo acima estão dentro das possibilidades de governar, pois improvável que alguém queira o Governo dos Piores; Dos Estúpidos; Dos sem valores morais; Dos Bandidos e Corruptos...;
Portanto, é mais fácil rejeitar um Governo, começando por aqueles desta última hipótese: Repito, não quero o Governo dos Piores, dos sem valores morais, dos Incompetentes, dos Bandidos e Corruptos...
Assim, o que interessa mesmo é saber organizar um governo; Depois escolher - quem deve Governar, ou melhor, quem deve ser o Soberano?! Os capitalistas, os imperialistas, os burgueses, os trabalhadores... (Sério, ainda existe isso?!!). Não..., imagino que o governo Soberano deve ser aquele fulcrado em vários pilares de poder, entre eles o político, o ideológico (ideológico no sentido de uma matriz do saber e das tecnologias), o econômico..., sendo este último, enquanto a economia e geradora das riquezas úteis e necessárias, dando vida aos programas, bens, serviços e obras públicas com os tributos arrecadados.
Portanto, devemos nos importar mais com a organização do Governo em especial ao Controle dele, tanto no aspecto formal como material/substancial - visível e legível. Então, seja ele o poder da maioria ou da minoria organizada, mesmo assim estaria nitidamente sob o “Controle do cidadão". De certo modo, importa mesmo Organizar o Estado para controlar o Soberano (ainda que este seja o próprio povo, ou seja, alguém dentre o próprio povo colocado pelo voto!). Os controles podem ser político, jurídico, social e de cidadania sobre as Instituições, especialmente o controle de transparência. A Constituição do Brasil adota diversas formas de controle e é uma boa Constituição. Por exemplo, a sucessão por eleições periódicas de lideranças nos cargos políticos como a primeira das modalidades de controle democrático, ainda que ora deturpada por Emenda Constitucional, permitindo reeleições. Temos o controle através do impeachment de autoridades sejam políticas ou jurídicas. As ações populares, cíveis pública, etc. Portanto, sobram formas, mas falta a efetividade material do Sistema Constitucional e Infraconstitucional de Controle, necessitando de pequenos ajustes e adequações, para dar  praticidade ao efetivo controle.
Depois de tudo isso o que mais quero é a liberdade! No entanto, minha liberdade é igual ao do outro! Mas se aquele for amoral, e sem virtudes! Ou pior, um desregrado e que pode me causar danos!
Então devo me abster de certas ações que resulte em danos aos demais cidadãos, para ter em contrapartida ou possuir outros itens restantes como minha liberdade. Somente o Estado deve dizer sobre a liberdade. Mas de outro lado, o demasiado controle do Estado sobre a pessoa, assim como, uma educação pautada em modelos fechados pode levar a doutrinação. Por exemplo, no campo das ciências jurídicas, pode haver doutrinação de direitos enquanto encantamento ideológico, pois intelectuais se dizendo orgânicos ou mesmo pluralistas, porém, contendo falso discurso no sentido da dominação pelo viés da retórica, redundam numa visão essencialmente monista (identidade entre corpo e mente dado por esta falsa liderança. Ou enveredam ao monismo da igualdade pelo gênero e que equivocadamente não pluralizam pelo sexo enquanto biologia estabelecida pela ciência dos cromossomas sexuais, mas pela mente insana do adestramento psicológico, num discurso meramente da vontade, recuperando e dando um viés equivocadamente totalitário ao pensamento existencialista de Sartre. O referido pensador, em síntese, escreve que nascemos/existimos e somente depois criamos nossa essência. Veja outro exemplo de um Estado meramente garantista por si só, substancializando a justiça com regras existentes, mas destoante da economia, pois ante uma justificação judiciária o direito seria imposto a qualquer custo (sem respaldo econômico), nos moldes de uma garantia natural inalienável enquanto principio fundamental, mas tal viés sobrecarrega financeiramente o Estado sem receitas! Ou mesmo num sistema em que se repele a simples validade da lei em prol do clamor de justiça supostamente legitimada no direito natural. Ou ainda numa matriz de moral coletiva ou comunitária visto como uma dita justiça politizada, em que basta o uso dessa matriz ideológica acrescida e/ou contida na teoria da argumentação para validar um direito, uma vez que para essa forma, a razão é sempre coletiva, aniquilando o individual!. Na verdade, tal ideologia acaba por praticar uma solidariedade meramente mecânica, com crenças e sentimentos comuns, tendendo ao totalitarismo de grupo ou de ideologias padronizadas por lideranças. Jamais orgânica.
Mas se a moral constituir-se numa forma de governo, então haverá o risco de se politizar a moralidade. Todavia, o que queremos é moralizar a política e não politizar a moral!
Politizar a moral em demasia restará perigoso, onde pode se perder valores ou se criar valores sem mensuração! Passaremos a preservar algumas matrizes valorativas maiores do que outros valores significantes, em detrimentos das partes e da própria liberdade social e individual.
Entendo que Moralizar a política deve ser a melhor maneira. Mas se exageradamente politizo a moral posso torná-la apenas um mote aos discursos sectários de minorias impondo estigmas de comportamentos em nome de suposto interesse coletivo, ou seja, regrando e condicionando ao suposto todo, suplantando a parte e a razão, por conseguinte aviltando a liberdade individual.
Portanto, quem governa. Ora, não podemos cair num novo conto dos discursos estigmatizados, que antes foi feito erroneamente em nome de uma raça e hoje em nome de estigmas sociais, ou mesmo de estigmas de grupos, como exemplo, os torturados no passado e que hoje avocam o direito de governar ainda que incompetentes ou alienados para a referida missão de Estado! Basta, vivemos numa época de controle pelo povo sobre o próprio Soberano Povo, ainda que através de um Governo periodicamente eleito democraticamente em nome da maioria, pois a Organização e posterior Controle é mais importante do que o Governo democrático em si mesmo ou dos demais padrões inicialmente arrolados!
Milton Luiz Gazaniga de Oliveira

(Texto sujeito a correções) 

sábado, 9 de julho de 2016

As Funções na República - Da mudança à estabilidade e suas Alegorias.

– Se tudo flui então existem mudanças e somente o legislador deveria determinar como as coisas são ou devem ser. As coisas sempre eram e serão assim até que ocorra a mudança pela dinâmica, pois as leis obedecem a uma dinâmica, ainda que seja pelo âmbito da validade no plano positivista, em fluxo! (vide meu texto:  http://confrariamalunga.blogspot.com.br/2012/06/degeneracao-do-direito-pela-dinamica-e.html 
Será bem assim?! Claro, acho que o legislador pode estabelecer tanto a permanência como mudança. Aliás, a dinâmica e a permanência estão contidas no fluxo, mas existe a estabilidade imposta pelo conhecimento e sabedoria como responsável pelo padrão das coisas aprazíveis. Na verdade, para preservar o todo existe um equilíbrio nas coisas. Em cada República uma estabilidade apropriada é estabelecida, isto porque as maneiras de mudar e de permanecer são determinadas por formas, matérias e competências.  Então, aqui apenas inicio um debate do qual pretendo ir mais adiante quando estiver preparado. Anuncio que na República existem algumas funções que são inclinadas às mudanças e outras na permanência ou estática.  Veja o legislativo, tem na sua mais elevada função em elaborar mudanças, mas sem descuidar ao dar a devida estabilidade às coisas, especialmente através da legislação, exceto nas tempestades em que devemos aguardar a volta da calmaria (vide art. 60, parágrafo 1º, da Constituição Federal em que não pode ser emendada na vigência de Estado de Defesa, Estado de Sítio e Intervenção Federal. Chamado de limite circunstancial).
Já o judiciário e suas funções essenciais, se encarregam da permanência das coisas («Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» Mateus 22:21), ou seja, a imparcialidade e conseqüente estabilidade e paz social, e toda vez que o judiciário inovar irá usurpar a função do legislador ou mesmo do executivo ao distribuir coisas fora do equilíbrio. O judiciário e suas funções essenciais têm determinado modus operandi de funcionar. O juiz em si mesmo preserva a igualdade pela imparcialidade de atuação no processo e jamais pela distribuição das coisas, uma vez que antes de distribuir a justiça deve ser imparcial e a imparcialidade por si só representa a igualdade e para determinadas filosofias a imparcialidade é a justiça em si mesma. O que o Judiciário exercita é a função de restabelecer as coisas como eram ou que deveria ser se já estivesse estabelecida. Em regra não concede ou cria um direito, nem se presta para arrecadar as coisas que deviam ser entregues, pois quando isso ocorrer o faz em nome da imparcialidade do Estado (O termo Estado neste texto às vezes denomino de “o Todo”). Numa visão existencialista, diria que a Justiça é, e tende a permanecer, pois o Ser primeiro existe; Já o Legislativo está sempre procurando a essência, pois o ser primeiro existe e só depois é que fixa sua essência tanto na permanência como na mudança das coisas; Já o Executivo procede no modo como está estabelecido (sem pedaladas fiscais ou alteração de metas por conta própria, nos orçamentos...). A Justiça não enriquece ou empobrece alguém, mas aplica o direito da “existência”, o estabelecido, como aquele que assim deveria permanecer. Então a justiça está na imparcialidade, sem inclinações, na igualdade, na retidão do sistema, no todo, e não nas partes (na parcialidade), e o todo não muda, pois é uma nação (o Brasil), apenas se equilibra como numa balança, ou nível e prumo! A balança é “o todo” da Justiça equilibrada, nivelada, encontrando a estabilidade, a estática. O legislador também não pode distribuir as coisas, mas estabelecer e adequar o direito no tempo e espaço de como as coisas devem ser distribuídas ou partilhadas. Se ocupando das mudanças, de acordo com o fluxo e sua estabilidade na Constância da mudança, seja na fluidez. Legisla orientando na permanência ou como as coisas devem ser mudadas e só trabalhada com o auxílio da ciência, especialmente da geometria, e seus instrumentos de geômetra. Entre tantos instrumentos para legislar, se utiliza da régua traçando uma linha reta da lei, o esquadro e o compasso, que devem ser utilizados também para estabelecer a retidão, os limites e horizontes do Ser Humano, bem como na estática tendo o esquadro como instrumento fixo da lei e na dinâmica do compasso este enquanto instrumento móvel das leis. O Executivo é quem cumpre distribuir as coisas e de cuidar dos corpos operativos e todas as vezes que as demais competências praticarem a distribuição o fazem de modo indevido com usurpação. A moeda de metal simboliza todos os corpos, a riqueza e sua distribuição e o maço (martelo/malho) e cinzel serve para operativamente forjá-las. A moeda, pois representa as coisas da nação e o grau de civilização já alcançado por esse povo que não explora diretamente a natureza, passando a utilizar a moeda como símbolo dos bens, direitos e deveres, garantindo assim a conservação e prosperidade do povo regido (vide o texto “A moeda e a nossa remuneração” http://utquid.blogspot.com.br/2016/01/a-moeda-e-nossa-remuneracao.html ).
Portanto, concluo preliminarmente que a República olha o todo (O Estado) ao especializar as partes funcionais, tornado o fluxo estável. Enquanto que seria diferente e parcial numa anarquia, oligarquia, aristocracia, regime ditatorial ou nas demais formas degeneradas de Estados e Governos..., cujo fluxo nesse estado de perversidade ou de corrupção permite até um refluxo sem estabilidade.
Milton Luiz Gazaniga de Oliveira

(texto sujeito a revisões) 

terça-feira, 5 de julho de 2016

Lei Natural

Uma Lei Natural não necessita estar escrita, ou melhor, não precisa derivar do poder legislativo, mas se estiver escrita, legislada ou reconhecida pelo poder legislativo, integrará o Direito Positivo Estatal. A Lei Natural tem sua validade superior ao Estado, sendo universal, “o todo”, transcendendo o tempo e espaço territorial. É relativamente abstrata, enquanto princípios. Ao contrário do direito positivo onde este procura a estabilidade focado na segurança jurídica, sendo limitado na sua vigência e validade territorial/espacial e temporal, por isso mutável e parcial de acordo com a constância do fluxo. Então, uma Lei Natural de caráter perene transcende ao referido direito positivo sendo este, como dito, mutável e parcial, aquela não.
Já escrevi no texto “sobre o Instinto” e não nego que a Lei Natural procura a justiça, e o sentimento de justiça começa no instinto. Para saber sobre a Lei Natural então devemos nos socorrer também sobre a definição de “Instinto”, uma vez que este comanda muitas atitudes ou condutas nos seres sensíveis. Repetindo Voltaire: Certa combinação secreta entre nossos órgãos e os objetos origina nosso instinto”. “O Instinto nos move a fazer mil movimentos involuntários, do mesmo modo que por instinto somos curiosos, que procuramos a novidade, que a ameaça nos assusta, que o desprezo nos irrita, que o ar submisso nos apazígua, que o choro nos enternece.”
Também diz ele no Diálogo: “B - Qual é a lei natural? A – O instinto, que nos dá o sentimento de justiça? B – O que chamais de justo e injusto? –B – Tudo o que aparece como tal ao universo todo.”. Essa colocação é aparentemente controvertida, uma vez que o instinto tem um caráter individual, apesar certas manifestações adotarem um padrão geral de reações parecidas em todos os indivíduos. Assim, acredito que tudo aquilo que aparece no universo todo como tal, disse Voltaire, num modo idêntico de reação instintiva dos seres sensíveis, ou seja, em qualquer lugar em que determinada conduta for executada e observado um padrão de reação ou comportamento, trata-se então da manifestação de uma lei natural. Diria que a equidade tem uma base muito forte na lei natural. Como me referi no texto sobre “A Justiça, o Sistema Civil Law e Common Law” onde me reportei à passagem do julgamento por equidade realizado pelo Rei Salomão, pois o instinto natural da aludida Mãe não deixaria seu filho perecer. Outro exemplo está no exercício da autotutela que se define como sendo a defesa de um direito em perigo, que esteja sendo violado. Ocorre que o Estado não pode ser onipresente e permite ao individuo a defesa própria. O exemplo mais comum é a legítima defesa estabelecida no Código Penal, ou seja, neste caso o direito natural serviu como fonte e foi positivado.
Gostaria de deixar pontuado que teríamos duas formas de se reconhecer a justiça: a uma pelo direito natural enquanto sentimento de equidade. E a outra, pelo direito positivo. No direito positivo, a justiça deixa de estar embasada na lei natural num sentimento de instinto, de equidade para ser avocada ou apropriada pela Lei escrita, legislada, ou de outra forma positivada. Poderá, numa matriz positivista, haver o sentimento de iniquidade quando aplicada uma lei positiva contrária aos anseios ou sentimentos de justiça do agente punido, porém, trata-se de uma regra moderna e usual de se fazer justiça, enquanto segurança e estabilidade na tarefa da pacificação social. Diz Voltaire: “B – O universo é composto de muitas cabeças. Contam que na Lacedemônia aplaudiam-se os larápios que, em Atenas, eram condenados às minas. A – Jogo de palavras, logomaquia, equivoco. Não se podia cometer latrocínio em Esparta, pois tudo era comum. O que chamais roubo, era a punição da avareza.
Mas a Lei natural em regra é vista como uma norma moral, dita como uma razão natural e desnecessária ser decorrente de obra dos homens, mas de mera obediência. Em geral elas regem o mundo físico, por esse motivo podem ser sensitivamente percebidas pelos instintos e até possível de se prever fenômenos. Se alguém construir uma casa na barranca do rio ou do mar em local já atingido por enchentes ou marés, estará inserido no espaço e tempo da possível causa e efeito desses fenômenos e eventos já ocorridos e memorizados, havendo a incidência de uma lei natural ainda que indeterminada no tempo. No entanto,  uma Lei ou mandamento positivo, legislado, poderá determinar que a administração pública construa aterros, muros ou diques para evitar situações de eventos naturais e previsíveis ou que determine a retirada da construção do local. Muitos chamam a Lei natural de Lei da razão, e se perguntássemos para Platão ele diria que uma lei natural é tudo aquilo que vem da alma, anterior, pois a alma é a primeira da natureza, pertencente ao mundo inteligível, e somente depois da alma é que se fizeram as coisas imperfeitas ou cópias degeneradas no mundo sensitivo. Desse modo, a fonte da lei natural pode ser a natureza, a vontade de Deus ou a racionalidade dos seres humanos. Assim, o conceito mais apurado do que seja Lei Natural deve ser descrito segundo o método filosófico ou matriz ideológica adotada pelo interessado em definir, e muitos dos grandes filósofos/pensadores já escreveram sobre o tema. Então poderíamos ainda adentrar nas questões de desigualdades naturais, como exemplo, a idade, saúde, forças do corpo e da qualidade do espírito ou da alma e das desigualdades políticas seja em poderes e prerrogativas entre tantas outras contingências, etc, dizendo que parte expressiva das leis positivas derivou das leis naturais. Então, conceituar o que seja é uma dificuldade que o próprio Rousseau reconheceu: “Conhecendo tão pouco a natureza e concordando tão mal sobre o sentido da palavra lei, seria bem difícil convir sobre uma boa definição da lei natural” (p.26)
Milton Luiz Gazaniga de Oliveira
Referente:
- Dicionário Filosófico. Voltaire, texto integral. Martin Claret, 2008.
- Rousseau – A Origem da desigualdade entre os homens, 2ªed. Editora Escala, São Paulo.

(Texto sujeito a correções) 

sexta-feira, 1 de julho de 2016

O Vigilante

Quando falo de um Estado Puro, de Lei e Ordem, claro que faço referência à cidade pensada por Platão, onde as Leis existentes são apenas as necessárias e outras seriam inúteis ou ingênuas, pois a educação seria para formar homens cumpridores da lei e honestos (pág. 118).  Por exemplo, uma lei que determinasse aos mais novos o silêncio, o respeito, o de dar-lhe o lugar e se levantarem diante dos mais velhos, e os cuidados com os pais. Mas tais leis, segundo Platão, seriam inúteis, pois desnecessárias diante do cumprimento natural. Sobre a ciência, Platão não destaca uma das existentes na cidade como sendo a sábia por si só, mas se refere a “totalidade” das variadas espécies de ciências, por exemplo, daquelas que se referem ao carpinteiro, à ciência da construção - arquitetura, e outras quanto mais integram a totalidade da feitura da cidade. Contudo, disse diante da pergunta de Adimanto: “...Existe alguma ciência, na cidade que há pouco falamos, em alguns dos seus cidadãos, pela qual delibere, não sobre qualquer pormenor que nela se encontre, mas sobre a sua totalidade, sobre a melhor maneira de se comportar consigo mesmo e perante as outras cidades? Existe, sim senhor. Qual ela? Perguntei eu –  E em quem existe? (Platão) – Essa ciência é a vigilância – respondeu ele -, e encontra-se naqueles chefes que agora mesmo classificamos de guardião perfeitos.” (Vide A República, Martin Claret, 2004, pág. 122-123.). Assim, a essa ciência (dos guardiões Perfeitos) ele chama por natureza de “Sabedoria”. Eu aduzo que a “sabedoria” está nas habilidades sobre várias coisas, e que existe o “conhecimento” na ciência de determinadas coisas. Todavia, a sabedoria está em saber dispor do conhecimento do melhor modo. O conhecimento pode ser utilizado para o mal, já a sabedoria em regra não, pois posso ter conhecimento sem deter sabedoria, então poderei ser um arquiteto e não ter sabedoria, mas posso ter sabedoria com menos conhecimento do que outro Ser letrado. Quem tem a sabedoria tem o “todo” e não apenas a parte.
Mas Platão também falava na especialidade das funções e as classes eram baseadas nas funções de ordem natural. Qualifica como mal, a invasão de tarefas e competências entre as classes em si, e se isso ocorresse lavaria a cidade a ser definida como de injustiças para ele. E a justiça reside aí em se portar do modo conforme as tarefas competentes sem ingerências, sem alterações ou perturbações. E o homem justo é aquele enquanto cópia desta cidade perfeita, ou semelhante a ela. (pág. 130).
Nesse ponto, Platão combate as mudanças, pois as mudanças no mundo sensível segundo ele não seriam virtuosas, mas imperfeitas, cópias imperfeitas, ilusões. Assim sendo, sua filosofia fala do mundo das idéias como um lugar fora do tempo, portanto,  imóvel e se contrapõe a de Heráclito, pois este propõe o fluxo, um eterno devir.
Assim, doravante ao não estarmos diante de uma cidade perfeita (Pura, de Lei e ordem) que atendia ao “todo”, pois o racionalismo natural e ideal de Platão que seria o “todo” em que preservava hierarquias, hoje inexiste. Todavia, aqui no meu tempo, temos um Estado composto por partes autônomas, de grupos e movimentos, indivíduos emancipados... Estamos diante de um Estado Plural, com várias partes em que as competências, funções, profissões estão abertas e exercidas por quem desejar exercê-las ou mudar-se delas, usufruindo o exercício dos ofícios seja daqueles que contém técnicas e ciências autorizadas, assim como inseridos em atividades meramente de ordem prática. Então, somos regidos por matérias e não por classes ou pessoas, sendo que o racionalismo tomou partido (partes) seja de grupos ou indivíduos. Estamos num mundo, repito, corruptível pelas coisas partidas e em mudanças, pelo fluxo ainda que na constância dela.
Assim, cada um de nós devemos ser Guardiões das coisas, bens, serviços e das normatizações editadas pelo Estado, para que a totalidade seja resgatada pela própria parte “interessada”, doravante, um cidadão vigilante e guardião.
Milton Luiz Gazaniga de Oliveira

(Texto sujeito a correções)