(Obs. este texto foi elaborado no ano 2000, portanto,
não atualizado)
Diante da proximidade das eleições municipais é sempre
bom contar a história do voto. Mas a reflexão que deixo para os especialistas
centra-se na opção do voto obrigatório ou facultativo. Disso decorre, ante a conseqüente
implicação da liberdade de votar, na perda substancial da participação do
cidadão no processo eleitoral, assim como a intensificação do adestramento
ideológico (doutrinação e fanatismos) ou na imposição econômica sobre a legitimidade
das urnas! Mas o voto seria então um dever, uma obrigação, um direito, uma
função publica, dever cívico ou moral? Não sei...
Talvez devesse ser facultativo, mas com a ampliação dos
mecanismos de retirada dos maus políticos do poder antes de completar o mandato
através de impeachment, recall... Ações políticas-cidadãs por iniciativa popular
de x% dos eleitores, em relação ao voto recebido pelo mandatário eleito,
apreciado nas casas legislativas com um quorum de 60% dos votos nas duas casas,
no caso federal.
Antes
de adentrarmos efetivamente nos preceitos constitucionais, importante termos em
mente alguns enfoques necessários sobre o tema.
O
Voto integra o gênero dos direitos políticos, trata-se da capacidade
eleitoral ativa, como meio necessário ao exercício da soberania popular.
Liga-se, assim, à cidadania a qual por sua vez é um atributo político
decorrente do direito de participar no governo, cujo núcleo fundamental
consubstancia no direito de votar e ser votado. O direito ao voto depende de
certas condições estabelecidas no direito positivo: ser brasileiro nato ou
naturalizado de qualquer sexo; ser maior de 16 anos; não estar privado
temporária ou definitivamente dos direitos políticos; não ser recruta ou
durante o serviço militar obrigatório. Inicialmente vale alertar que a
interpretação do direito eleitoral tem como regra geral a de assegurar a
plenitude dos direitos políticos, sendo a privação ou restrição uma exceção. É
esse confronto axiológico que devemos ter em mente.
Voto ou sufrágio - O sufrágio é universal e o voto é
direto secreto e tem valor igual. O sufrágio deve ser entendido como expressão
de capacidade eleitoral ativa, e também a passiva, enquanto direito de votar e ser votado. É a aptidão de votar. O voto é o meio pelo qual
o cidadão exerce o seu direito de sufrágio. (Melo Filho: p.309). Se exercita o
voto também no plebiscito e referendum.
A
idéia do autogoverno - (do povo) passou às fases da força física para o
sorteio, sucessão hereditária e finalmente o de eleição, então como direito.
Quanto a extensão do sufrágio: a) universal, b) restrito: censitário e capacitário. Quanto a igualdade: c) igual,
d) desigual: plural, múltiplo, familiar.
O
sufrágio universal se apoia na identidade entre governantes e governados tanto
mais real quanto mais amplo aos integrantes da nacionalidade, o art. 14 da
CF/88 coincide a capacidade de eleitor com a nacionalidade somado a idade e
capacidade. Obedece a uma forma porque é preciso alistar-se, sem restrições de
condições de nascimento (nobre, plebeu etc.), fortuna ou capacidade especial.
O
sufrágio restrito - só conferido a indivíduos qualificados por condições
econômicas ou de capacidade especiais. Dividindo-se em sufrágio censitário e
capacitário. O censitário concede-se apenas ao indivíduo que preencha determinada
qualificação econômica: posse de bens imóveis, de determinada renda ou
pagamento de impostos. Por exemplo, no império estavam excluídos de votar nas
eleições para Deputados e Senadores os que não tivessem renda liquida anual de
duzentos mil réis por bens de raiz. As constituições de 1891 (art. 70, § 1º
item 1º) e de 1934 (art. 108, parágrafo único), excluíam os mendigos do direito
de sufrágio. E mais, o voto censitário tinha raízes no racionalismo de Jhon
Locke onde se argumentava que a classe trabalhadora era incapaz de ter uma vida
plenamente racional.
O
sufrágio capacitário, baseia-se em capacitações especiais, notadamente na
natureza intelectual - certo grau de instrução, que seja alfabetizado.
Eliminado na EC 25/85, confirmado na CF/88 que conferiu o direito aos
analfabetos. Trata-se de um direito decorrente da nacionalidade e seu exercício
subordina-se as condições mínimas de capacidade, liberdade e dignidade pessoal
- um direito público subjetivo democrático de soberania popular.
Sufrágio
igual - cada eleitor disponha de número igual de votos dos demais, a isonomia,
a cada homem, a cada eleitor, um único voto, cada cidadão o mesmo peso
político.
Adota-se
o voto feminino na CF de 1934.
O voto é, pois, distinto do sufrágio, este é direito político
fundamental nas democracias política. Aquele emana desse direito, no plano
prático voto é o ato político que materializa na prática o direito público
subjetivo de sufrágio, contém decisão de poder.
Voto
não é uma função. É sim uma função pública, mas da soberania popular, traduz o
instrumento de atuação desta. Assim, uma função social, que justifica sua
imposição como um dever. Considera-se,
portanto, o voto não o simples depósito da cédula na urna, mas a efetiva
escolha. O chamado voto em branco não é voto, apenas o cumprimento de um dever
jurídico e não o dever social e político.
Atributos de personalidade devem estar presentes e ele próprio votar (sem
mandato); liberdade faculdade de escolher o representante, depositar a cédula
mesmo que em branco ou anular.
A
lógica da igualdade pelos liberais, impulsiona a idéia do sufrágio universal,
mas o sufrágio universal haveria de resultar o fim do Estado liberal, pois
cria-se partidos de massa. Daí os legisladores da Revolução Francesa foram
contraditórios, pois ao mesmo tempo em que sustentavam a igualdade de todos,
admitiam que a sociedade devesse ser dirigida pelos mais sensatos, mais
inteligentes, a elite social, onde se adotou o critério econômico e o
intelectual, com o sufrágio restrito. É bem verdade que se constitui em avanço
com a eliminação dos privilégios da nobreza.
(Dallari: p.156).
Segundo
Canotilho, na teoria do Direito Eleitoral e soberania nacional, o voto não é um
direito mas uma função (teoria-do-eletorado-função) ao contrário na teoria Rousseauniana
reconhece o direito pessoal (teoria do eleitorado direito) (Canotilho p.260).
Aqui
fizemos um corte para refletir: se o sistema representativo tem traços
nitidamente políticos e não jurídico, pode se concluir que o mandatário é um
fiduciário e não um delegado do eleitor,
pois representa os interesses gerais, políticos (Bobbio: p.46-47)
O Brasil tem na sua história sete Constituições, uma no
período monárquico e seis no republicano. As mudanças constitucionais, em
geral, ocorrem no contexto de importantes mudanças sociais e políticas do país.
Constituição de
1824 – Eleições indiretas e censitárias, com o voto restrito
aos homens livres e proprietários e condicionado ao seu nível de renda.
Constituição de
1891 – O voto é universal e não-secreto para homens acima de 21
anos, vetado às mulheres, aos analfabetos, soldados e religiosos.
Constituição de
1934 – Institui o voto obrigatório e secreto e estende o
direito de voto às mulheres. Prevê a criação da Justiça Eleitoral.
Constituição de
1937- não há alterações eleitorais apenas Estabelece
eleição indireta para presidente da República, com mandato de seis anos.
Constituição de
1946 – também não apresenta novidades na capacidade eleitoral
ativa.
Constituição de
1967 – do mesmo modo
que a anterior não apresenta novidades.
Constituição de
1988 –. O direito de voto é estendido aos analfabetos e aos
maiores de 16 anos.
Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa
das regras do jogo/Norberto Bobbio; tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de
janeiro: Paz e Terra , 1986.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral
do Estado: 19º ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo
Legislativo. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
MELO FILHO, José Celso de. Constituição Federal
Anotada: São Paulo. Saravia, 1984.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito
Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 1995.