sábado, 23 de abril de 2016

CAPITULO VII - 1 – Reforma agrária - Desapropriação - a produtividade e sua relação com os contratos agrários.

Uma das missões deste estudo também é observar certas situações que podem levar ao embaraço da parte contratante na relação negocial. Por isso, lembramos aos parceiros outorgantes para que fiquem atentos no tocante às questões da produtividade do imóvel arrendado, uma vez que a desapropriação como instituto em voga, normalmente incide quando ele não estiver cumprindo sua função social. Dentro dos mandamentos Constitucionais e da legislação agrária, a terra é vista como meio de produção e não um patrimônio de acumulação de riquezas.

1.1 A Constituição Federal de 1988 veio determinar, em seu art. 186, que a propriedade rural cumprirá sua função social, que lhe é inerente, desde que atenda simultaneamente aos critérios e graus de exigência estabelecidos em lei.

O dispositivo afigurava-se como norma constitucional não auto-aplicável, demandando, a edição de lei que fixasse os citados critérios e graus.

 Assim sendo, mediante o clamor da sociedade civil pela efetivação da Reforma Agrária em nossa nação, veio o legislador pátrio a editar a Lei n.º 8.629/93 (com algumas alterações da Lei nº 13.001, de 2014) que contemplou os critérios e graus de mensuração da produtividade dos imóveis rurais, além é claro, das demais questões específicas como as indenizações,  regras de assentamentos, beneficiários  e financiamentos.

Portanto, os critérios e graus de mensuração da produtividade  foram previstos e definidos no art. 6º e seus parágrafos, que preceitua, verbis:

“Art. 6º. Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente.
§ 1º. O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel.
§ 2º. O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e será obtido com a seguinte sistemática:
I – para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder  Executivo, para cada Microregião Homogênea;
II – para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder  Executivo, para cada Microrregião Homogênea;
III – a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração.”

1.2 Os critérios e graus para a determinação da produtividade do imóvel rural estão taxativamente fixados na Lei. Para tanto, faz-se uso de dois meios de aferição da produtividade, quais sejam, o Grau de Utilização da Terra – GUT e o Grau de Eficiência na Exploração – GEE.

Na aferição do GUT deve-se considerar o imóvel de per si, ou seja, para calculá-lo não há necessidade de comparação com nenhum outro imóvel ou imóveis que estejam inseridos no mesmo contexto fático de produção, com a utilização de dados individuais conclui-se se o mesmo atinge ou não o índice exigido.

No tocante a definição do GEE, o imóvel rural é analisado em comparação com a média alcançada pela microrregião à qual ele se integra. Verifica-se a modalidade de exploração do imóvel e faz-se um estudo comparativo com a média obtida na microrregião em que está inserido, para então se apontar a sua eficiência.

Relativamente ao GUT o legislador fez com que a Lei 8.629/93 dispusesse concretamente a respeito dos índices a serem alcançados pelo imóvel, e o faz determinando que a área efetivamente utilizada deva ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento) da área aproveitável. Contudo, para a fixação dos índices a serem alcançados em cada microrregião faz-se necessária a delegação de competência ao Poder Executivo, representado, in casu, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA.

1.3 A necessidade de delegação é inquestionável, uma vez que a lei (sentido material e formal) apresenta entre suas principais características a generalidade, abstratividade e permanência que devem conter seus comandos, logo, exigir-se que fizesse a previsão específica e individuada da média de produção de cada uma das inumeráveis microrregiões homogêneas do imenso, continental, território brasileiro, seria, por certo, afronta as ditas características.

Daí porque a fixação dessa produção é eminentemente de competência dos órgãos da Administração Pública, no caso o INCRA, em seu poder-dever, inerente aos poderes administrativos confiados, de fazer cumprir a lei de ofício.

Ainda que tal atribuição recaia INCRA a fixação da média de produção de cada microrregião, não deixa a Lei de dispor em seu texto do índice de eficiência que cada imóvel deve apresentar diante do quadro geral, qual seja, igual ou superior a 100% (cem por cento).
1.4 O STF já se manifestou na pessoa do ínsigne Ministro Ilmar Galvão:
“(...) Não pode ser aceito, dado não ser razoável, exigir que a lei, além de estabelecer os critérios definidores da propriedade produtiva, como o fez (Lei n.º 8.629/93), viesse a fixar cada um dos índices de rendimento de atividades, agrícolas e pastoris, a serem alcançados nas diversas microrregiões identificáveis no vasto território nacional, tarefa que, obviamente, somente poderá ser cumprida, e de forma paulatina, pelos órgãos da Administração. (MS 22.193-3/SP – Sessão Plenária de 29/08/96).”

 Destarte, a Lei 8.629/93 fixa em seus dispositivos os critérios e graus de apuração de produtividade, delegando ao Poder Executivo, INCRA, apenas a definição das especificidades regionais que ela, por impossibilidade, não se incumbe de prever.

Outros julgados demonstram o assunto estar consolidado pela Corte Suprema, podendo ser sintetizado no seguinte julgado, prolatado pelo Pleno, à unanimidade, verbis:
“EMENTA: - Desapropriação de imóvel rural por interesse social, para fins de reforma agrária.
Notificação administrativa apta à finalidade a que se destina.
Constitucionalidade das disposições constantes do art. 6º, e seus parágrafos, da Lei n.º 8.629/93.
Alegação de haver-se procedido à vistoria por meio de um técnico. Matéria ligada à conveniência interna do órgão, sem configurar ilegalidade, nem direito subjetivo oponível pelo proprietário impetrante.”

Noutro julgado assim afirmou o eminente Ministro Relator Octávio Gallotti:

“Não vislumbro igualmente, eiva de inconstitucionalidade nas disposições da Lei n.º 8.629/93, que, no seu art. 6º, e seus parágrafos, fixaram o grau de utilização da terra, em razão da área aproveitável, bem como a sistemática de obtenção do grau de eficiência, deixando ao órgão do Poder Executivo o estabelecimento dos índices de rendimento dos produtos agrícolas e de lotação de unidades pecuárias.
Esses índices, cuja elaboração está sujeita às características variáveis no tempo e no espaço e vinculadas a fatores censitários periódicos, são por sua natureza, tarefa do Poder Executivo, de nenhum modo condizente com o grau de abstração e permanência que se espera de providência de hierarquia legislativa.”
(Mandado de Segurança n.º 22302-2/PR, denegado por votação unânime do Plenário do STF)

1.5 Podemos concluir que a Lei n.º 8.629/93, ao regulamentar a Carta Magna, remete ao Poder Executivo a atribuição de fixar pormenorizadamente os índices e graus para apuração da produtividade dos imóveis rurais.

Por sua vez esta tarefa encontra-se atribuída, haja vista expressa determinação de diversos diplomas legais, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.

Tal atribuição vem anteriormente a Lei 8.629/93 retornando historicamente ao Estatuto da Terra que atribui ao INCRA (ou a seus antecessores, mas que sempre enfeixaram os mesmos limites de atribuições) a determinação de aferir esses índices ou padrões indicativos da produtividade, conforme disposto no artigo 46 que preceitua, verbis:
 “Art. 46. O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária promoverá levantamentos, com utilização, nos casos indicados, dos meios previstos no Capítulo II do Título I, para a elaboração do cadastro dos imóveis rurais em todo país, mencionando:
(...)
III – condições da exploração e do uso da terra, indicando:
(...)
e) os volumes e os índices médios relativos à produção obtida;”

Além do Estatuto da Terra, também outros diplomas legais atribuem tal competência ao INCRA: Decretos nºs. 55.891/65 (arts. 29 e 33), 56.792 (arts. 17, 24 e 29), 72.106/73 (arts. 2º, 20, 27, 32 e 43) e 84.685/80 (arts. 8, ‘b’, 10).
1.6 Portanto, a questão da produtividade e por conseqüência a renda em que as partes procuram atingir no pacto, podem extrapolar a relação contratual resultando em sansão determinada pela política de reforma agrária, caso haja descumprimento dos índices de produtividade, quando aquém daquele que o imóvel pode proporcionar.

Imaginem! Se por descuido do arrendatário ou parceiro em relação à produtividade o imóvel for desapropriado. Entendemos que poderão advir outras conseqüências além da simples rescisão ou redução da renda, consoante determina o art. 30 do Decreto 59.566, especialmente quando o contratado vier a dar causa ao fato como acima feito em hipótese, posto que haverá perdas e danos, ainda que implicitamente.
  Art 30. No caso de desapropriação parcial do imóvel rural, fica assegurado ao arrendatário o direito à redução proporcional da renda ou o de rescindir o contrato.
Quer nos parecer que a aplicação do art. 30, supra, encontra ressonância quando o contratante der causa. Mas quando o contratado não cumprir com suas obrigações, aliás, fixadas no art. 38 do Decreto 59.566/66, consoante abaixo transcrevemos, entendemos que será culpado pela situação.

Decreto 59.566/66:
“Art 38. A exploração da terra, nas formas e tipos regulamentados por este Decreto, somente é considerada como adequada a permitir ao arrendatário e ao parceiro-outorgado gozar dos benefícios aqui estabelecidos, quando for realizada de maneira:
 I - eficiente, quando satisfizer as seguintes condições, especificadas no art. 25 do Decreto nº 55.891, de 1965 e as contidas nos parágrafos daquele artigo:
 a) que a área utilizada nas várias explorações represente porcentagem igual ou superior a 50% (cinqüenta por cento) de sua área agricultável, equiparando-se, para esse fim, as áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias;
 b) que obtenha rendimento médio, nas várias atividades de exploração, igual ou superior aos mínimos fixados em tabela própria, periódicamente.
 II - Direta e pessoal, nos termos do art. 8º deste Regulamento estendido o conceito ao parceiro-outorgado;
 III - correta, quando atender às seguintes disposições estaduais no mencionado art. 25 do Decreto número 55.891, de 1965:
  a) adote práticas conservacionistas e empregue no mínimo, a tecnologia de uso corrente nas zonas em que se situe;
  b) mantenha as condições de administração e as formas de exploração social estabelecidas como mínimas para cada região.”

Cabe aqui indagar se os critérios fixados no § 1º do art. 6º [1] da Lei 8.629/93, quando define o GUT no mínimo em 80% da área aproveitável não está em contradição com a letra “a”[2] do inciso I do art. 38 do Decreto 59.566/66 que fixa em 50% da área agricultável. Pois, ainda que pertençam a institutos diversos, poderão ter incidência, em tese, controvertida, sempre que uma área arrendada for desapropriada, quando o arrendatário apenas cumpriu o Decreto utilizando 50% da área agricultável, mas ficou aquém dos 80% (GUT) da área aproveitável do imóvel!? Essa matéria poderá ser objeto de novos estudos.

Por fim, a legislação omitiu, melhor dizendo, o legislador não incluiu como índice para fins de verificar o cumprimento da função social da propriedade qualquer grau de proteção ambiental no imóvel como critério de preservação das matas e mananciais. Fato que poderia agregar critérios para examinar se a propriedade cumpre ou não a sua função social, objetivando a desapropriação, ou seja, quando notar o elevado grau de degradação, também deveria possibilitar a desapropriação.




[1]              § 1º. O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel.
[2]           a) que a área utilizada nas várias explorações represente porcentagem igual ou superior a 50% (cinqüenta por cento) de sua área agricultável, equiparando-se, para esse fim, as áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias;

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