quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Santo Agostinho – “bandos de ladrões”. As Funções Essenciais à Justiça no Sistema Político – Ética da Convicção e Ética da Responsabilidade.

A pretensão é indicar o lugar ou relevância das funções essenciais à justiça dentro do Sistema Político, ou Doutrina de Estado, (não compreendido apenas na forma estrita da política partidária). Aqui faremos sem aprofundar na questão da origem do Estado (sequer um estudo indutivo, dedutivo...), seja ele na visão jusnaturalista, desde a concepção aristotélica - como um fato natural, sendo um prosseguimento natural da família... Seja ainda por acordo, nas teorias contratualista do estado de natureza, ou eudemonista que procura a felicidade em vez da liberdade...
Abreviando o tema, poderíamos falar sobre o Poder Político e que, tradicionalmente, o poder político se justifica no uso da força. Contudo, o poder fundado apenas na força não pode durar, uma vez que o poder tem que ser legítimo e justo. Nessa linha, a qualidade temporal do Poder guarda um nexo tal como a simples diferença feita por Santo Agostinho, lapidando: “Sem justiça, o que seriam de fato os reinos senão bandos de ladrões? E o que são os bandos de ladrões senão pequenos reinos?. Weber define o Estado como detentor do monopólio da coação física legítima, para prover à prestação de serviços públicos. (NB – EGS p. 82 e 69).
Desse modo, Justiça e Força (seja esta legítima ou não) marcam a história da Teoria Política desde a República de Platão até o contrato social. Sócrates e Rousseau rejeitam a tese do direito dos mais fortes. Atualmente não se deve negar a dinâmica da história no sentido revolucionária das novas concepções, nem desprezar a estática conservadora desses conceitos já mencionados pelos antigos pensadores.
Assim sendo, é o caráter ético e jurídico que estabelece limites entre o poder político bom e o mau (maus - as tiranias, usurpadores, déspotas, as reeleições deslegitimadas pelo uso da coisa pública...).
De fato, as preocupações da conformação do Estado giram em torno da força, justiça e legitimidade.
Bem, aqui teria que escrever muito sobre legitimidade enquanto vontade, incluindo a capacidade no sentido do grau de cultura e educação do povo em votar/participar e o direito ativo ou passivo nos mandatos, bem como os modelos de participação.
Sobre o Poder. Segundo Aristóteles(NB - 78), e recorrente por outros pensadores, haveria três tipos de poderes, o do pai sobre o filho, do senhor em relação aos escravos e do governo sobre os governados. Seguiram outros pensadores que também visualizavam essa clássica divisão do poder em três: ex natura (geração), ex delicto (senhoral em punir o culpado), ex contractu (poder civil, no consenso). Todavia, os três Poderes mais estudados são: (p. 82) o econômico, ideológico e o político. Um, o econômico, que se define por si só, onde podemos falar da riqueza, a organização das forças produtivas, e aqui eu incluo o tecnológico; dois, o ideológico, se relaciona com o saber, ou seja, as formas de saber, os rituais de conhecimento, as doutrinas, conformações e códigos para exercer influência sobre o comportamento alheio e induzir os membros dos grupos a realizar ou não uma ação, enfim, organizar o consenso; e três, o Político, enquanto Organização do Poder Coativo. 
Esses enfoques deram origem a diversas teorias, entre elas a marxista no sentido de visualizar a economia ou base material como o Primado do Poder. Hobbes entendia que o poder é o político e nesta linha concebia o Primado da Política, que não tinha correlação com a moralidade, não interessava a imoralidade ou amoralidade, uma vez que “a Política deve visar ao próprio fim, sem qualquer outra natureza”, tal linha se reflete na obra de Maquiavel – os meios empregados para vencer e conquistar o Estado, são sempre, sejam eles quais forem, “julgados honrosos e por todos louvados” (NB 85). Hegel inclina-se em afirmar que o bem do Estado, completamente diverso do bem singular, tem uma substância ética, ou seja, concreta, tomadas por preceitos morais, pode ser princípio do seu agir e do seu comportamento.
Percebemos as vertentes de pensamentos políticos em relação ao poder, e percebemos ainda que “o Estado foi e sempre será frágil aos ataques no seu fundamento de Justificação do Poder, podendo passar de um instante a outro do antes estado-sociedade ao depois estado-máquina”. Assim, não interessa ao povo uma sociedade sem estado (com emancipação da sociedade em relação a ele) tampouco estado sem sociedade (ou passiva) – os totalitários – ditaduras, despotismos. 
Destarte, podemos perceber que na composição do Estado, a Política não é o todo, uma vez que integra um dos Três Tipos de Poderes. Portanto, poderia repetir aqui o que já disse anteriormente: “nem tudo é política” e a política assim seria enquanto objeto; outros dizem que a “política não é de todos” e nesse último caso, lamentavelmente, estaríamos renunciando a ela enquanto sujeitos. Mas penso que entre esses dois extremos, nossa classe política ainda cultiva um conceito de que “a política não é tudo e não é de todos” e neste caso, nosso Estado está coberto por um manto oligárquico, bem como aristocrático. (Nb - Fut Dem.... 77-78). Quando defendemos que “a política é tudo e é de todos”, estamos diante de um modelo ideal e jamais realizado, tal como Rousseau idealizava. Mas nossa constituição foi sábia em introduzir um regime democrático, (em que os homens que são iguais em uma só coisa, não devem ser considerados iguais em todas as outras, vice versa. (A. 134).”
Haveremos de compreender que para preservar a um estado-sociedade, o gênero Sistema Politico necessita de cidadãos participantes cuja expressão máxima é a Democracia ainda que na simples participação, uma vez que nem tudo é política (pois existe a ideologia e a economia como grandes vetores do Sistema Político enquanto doutrina de estado), mas a política deve ser de todos, uma vez que ela detêm o poder, e o poder tem que ser legítimo, sendo que no Estado de Direito a legitimidade se traduz em regras. As regras devem ser interpretadas pelos operadores do direito com a ética da responsabilidade, enquanto que na política encontra-se mais proeminente a ética da convicção (segundo Weber). Assim, resta aos operadores do direito interpretar e aplicar as regras, procurando os fins morais, pois a mera ética da convicção partidária não faz distinção entre moralidade e a amoralidade. Imaginamos o quanto instável seria uma nação se o poder se resumisse apenas no político, estabelecendo o primado da política sem considerar o sistema ideológico e econômico e seus subsistemas. 

Agora sobre as Funções essenciais. 
Poderíamos perguntar se na justiça existem hierarquias ou subordinações entre as funções essenciais? R. Logicamente não. Contudo há determinadas competências, ou melhor, divisões de tarefas, para a ciência jurídica poder aperfeiçoar/avançar o próprio direito a ser interpretado, aplicado e criado no âmbito do Estado de Direito.
Ora, os Profissionais do Direito compõem o Poder Político do Estado, no sentido da “organização do poder”, realizando a intercambialidade entre o Estado e Política, entendido como a parte técnica, ou seja, a política da responsabilidade e não da convicção, esta tipicamente dos partidos. Deduzo que somente assim a ética da convicção que está no mundo das idéias – as ideologias partidárias e do povo, encontraria a ética da responsabilidade enquanto substancialização.
Pergunto agora, qual o função essencial à justiça mais relevante num Estado de Direito?! R. Não há sobreposição, pois não é possível efetuar/entregar a justiça em partes, mas apenas localizar nela as partes, ou seja, os elementos que dão a ela a funcionalidade para distribuir esse bem maior. Jamais a justiça se faz em si mesmo (um juiz não pode prender sem procedimento), pois ela é a síntese, da qual as partes/elementos são os Juízes e os demais membros com funções de Procuradorias, por exemplo. 
Para realizar essa tarefa essencial, a justiça do Estado, em regra, deve ser distributiva na sua relação direta com o cidadão, mas comutativa entre os cidadãos.
Mas há diversas outras razões de repetir essa síntese, como aquela em que até os leigos fazem, ou seja, o juiz, e os Procuradores de Estado/pátria fazem concurso público para operacionalizar o direito como um todo, compreendendo a defesa da legislação constitucional até a norma/regulamento de menor hierarquia, bem como estar habilitado para atuar em qualquer tribunal, desde que promovido. Do mesmo modo o advogado privado ao passar na prova da OAB, está habilidade ao exercício profissional em todas as instâncias.
Portanto, a localização das funções essenciais à justiça no Estado/Constituição, enquanto parte da política da responsabilidade, da ética e da moral estabelecida por normas, princípios e objetivos, possibilita que as regras do Estado de Direito sejam compreendidas tanto pelos políticos de convicção quanto pelos detentores da legitimidade, este enquanto povo, no sentido de interpretar, operacionalizar e distribuir a justiça no Estado Democrático de Direito. Visa também facilitar a condição de qualquer cidadão, seja ele uma pessoa simples, para que possa ser candidato ao cargo eletivo, uma vez que terá a norma/regra interpretada pelas Procuradorias ou consultores para administrar de acordo com ela ou ainda propondo, extinguindo e/ou alterando a legislação. Ao contrário disso, a democracia estaria afastada pela primazia da política, que de per si justificaria a força, a coação, sem se preocupar com a justiça, tal como um bando de ladrões dito por Santo Agostinho, em qualquer de suas formas de regime de governo, inclusive na pior delas, a passiva num estado totalitário/autocrático.

Milton Luiz Gazaniga de Oliveira

Um comentário:

  1. Hoje se comemora o dia nacional da Advocacia Pública. Parabéns Colegas!
    Vejo nela o carro chefe da Ética da Responsabilidade. Por isso, penso sobre a referida função essencial à justiça, exatamente como escrevi neste texto. No meio da Política, deve haver uma função que possa frear a ética da Convicção através da Ética da Responsabilidade. A antiga falácia de freios e contrapesos entre os poderes vem se esgotando, em face de artimanhas e concessões recíprocas!.
    “Hobbes entendia que o poder é o político e nesta linha concebia o Primado da Política, que não tinha correlação com a moralidade, não interessava a imoralidade ou amoralidade, uma vez que “a Política deve visar ao próprio fim, sem qualquer outra natureza”, tal linha se reflete na obra de Maquiavel – os meios empregados para vencer e conquistar o Estado, são sempre, sejam eles quais forem, “julgados honrosos e por todos louvados” (NB 85). Hegel inclina-se em afirmar que o bem do Estado, completamente diverso do bem singular, tem uma substância ética, ou seja, concreta, tomadas por preceitos morais, pode ser princípio do seu agir e do seu comportamento.”

    ResponderExcluir