segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Qual o “Bem” a ser Protegido pelo Estado?

Sobre esse questionamento, devo lançar outros, uma vez que não seria possível, numerus clausus, estabelecer esse(s) bem(s). 

Primeiramente, qual o bem que procuramos? Um bem em si mesmo – o resto como mero acessório desse fim! Uma liberdade?! Uma felicidade?! Qual o papel do Estado?! 

Nos primórdios a propriedade privada (bens: terras, casas, apartamentos e demais "imóveis e móveis" como o ouro, dinheiro em banco...) atendia aos anseios da busca dessa felicidade?! Se for a propriedade esse meio, então para assegurar a fruição da felicidade com liberdade, nesse caminho bastava o Estado se preocupar com a segurança dela (a proteção) – John Locke e seu pensamento sobre a liberdade, tendo como função principal do Estado a preservação da propriedade, diz:
“... não é, pois, sem razão que busca, de boa vontade, juntar-se com outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para a conservação recíproca da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de “propriedade”. (Segundo Tratado Sobre Governo, Capítulo IX, pag. 84).

E contemporaneamente, novamente a segurança, a incolumidade física da pessoa volta a ser primordial – pois estamos num verdadeiro caos da (in)segurança?!  Portanto, infelizes!


Então, a propriedade e a segurança são os bens buscados enquanto meios à felicidade?!

Mas tentamos agora raciocinar.
 
O bem em si mesmo, pode ser aquilo que as coisas tendem, pois no nosso caminho há constante mudança das coisas e temos que nos adequar às boas tendências?! A riqueza é este bem?! O bem é uma substância; um predicado; uma ideia única e universal?!

Por bem em si mesmo, entendo que seja aquele que procuramos e que é isolado, independente dos outros – será a inteligência, o prazer, a honra...!

Mas esse bem pode ser absoluto e incondicional, pois não depende de outras condições, “em si mesmo” – ninguém pode dar, nem satisfaz os meios que o Estado proporciona?! Portanto, desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa – autossuficiente. Novamente pergunto, será a felicidade enquanto fim?!

Mas, a finalidade do Arquiteto, é a casa; da Medicina/médico a saúde/cura; do Procurador de Estado a equânime distribuição das coisas que o Estado proporciona; do Advogado, é trazer resultado positivo ao seu cliente, na ordem comutativa?!

Entendo por Bem condicionado – como aquilo que merece ser buscado em relação a outro bem: a fortuna em função da bonança, da suposta honra, da fama, da gula, da ociosidade, das conquistas amorosas..., mas a conquista dos predicados substancializa a felicidade?!

Às vezes o bem maior reside na função, ou seja, na excelência do ofício, num princípio racional: uma ação executada de acordo com a excelência que lhe é própria – sua excelência o artesão que fabrica o relógio suíço, uma atividade da alma em consonância com a virtude, uma vocação!

Então temos bens que se relacionam com a alma/psique, outros com o corpo e outros exteriores.

Assim, os bens exteriores são meios à felicidade – como a fortuna que antes dissemos.
Como adquirir a felicidade – pela aprendizagem, pelo hábito, por alguma espécie de exercício ou alguma providência divina e neste último caso o Estado seria teocrático! 
Mas a felicidade deve ser partilhada; deve ser conquistada pelo estudo e esforço, ou por acaso; por natureza ou causa racional?! 

Então a definição da felicidade é certa atividade da alma conforme a virtude. Assim, os outros bens devem estar presentes apenas como condições prévias da felicidade – coadjuvantes e úteis como instrumentos dela.

Por essa razão devemos olhar o Estado como instrumento da busca da felicidade do povo através dos bens e serviços que produz nas suas atividades e que até obriga os outros a partilhar (ex. impostos/tributos)!? 

Portanto, há limites do Estado em proporcionar os bens enquanto fim, uma vez que o bem “em si mesmo” considerado como a felicidade, se relaciona muito mais com a alma do que com as coisas externas. O Estado não tem condições de doar a felicidade diretamente, senão o de proporcionar os meios externos, ou seja, instrumentalizar o povo de virtudes e assim, para que cada um possa exercer plenamente sua atividade – da alma, conforme a virtude (a vocação da alma). Mas a virtude pode ser a intelectual e moral, sendo esta adquirida pelo bom hábito e aquela pelo ensino.

E a política – a arte de fazer com que os cidadãos sejam bons (corpo e alma) e capazes de nobres ações. Mas a felicidade depende de uma virtude e da vida completa, e por isso a felicidade ocorre no decorrer de toda a vida. Um Estado cuidadoso deve proporcionar bens desde o início até o fim da vida aos seus cidadãos, tendo em vista as mudanças e vicissitudes de toda a sorte que ocorrem durante a existência, desde o nascimento até a velhice. 

Segundo Aristóteles: “Mas então ninguém deve ser considerado feliz enquanto estiver vivo, e será preciso “ver o fim”, como disse Sólon?” (Na obra Ética a Nicômaco, Livro I, pág. 28). Certamente, aquele que experimentou a prosperidade e terminou miserável, não poderíamos dizer que é ou foi feliz. Não quero dizer que a felicidade de uma pessoa pode ser medida após sua morte, mas é quase isso. Contudo, essa medida dá maior grau de segurança na afirmação.

Assim, existem males, bens, coisas, obras, etc., que são meios comuns a todos, como instrumentos para conquistar ou às vezes para afugentar a felicidade. O crime depõe contra a felicidade... É o Estado quem pode combater o crime, as doenças, as endemias, as epidemias que atingem todos. Mas nas doenças específicas o Estado pode estabelecer como de seu cuidado, no entanto, apenas deve estabelecer quando a vontade geral (Lei) assim quiser ou convergir.

Certos Estados/governos se equivocam pensando em proporcionar diretamente a felicidade ao povo, mas apenas criando sofismas eleitorais, não emancipando ninguém, senão tão somente ampliando uma massa de tutelados. Portanto, nem o Estado liberal ou o social resolverá tal dilema. 

Platão, em A República, Livro IV, idealizou um Estado de felicidade, estabelecendo quem o governará, ou seja, pensou em ser a República governada pela Sofocracia – governo dos sábios. Dispôs sobre quem exercerá os postos, os ofícios, os guardiões, as mulheres e filhos comuns e ainda sobre os bens e as dimensões do território – “até onde puder aumentar permanecendo unida, até aí pode crescer;” (pág. 116). 

Já Aristóteles disse que o fato é o princípio ou ponto de partida. Assim a busca da felicidade teria que levar em conta alguns fatos, o que está faltando, e de acordo com a natureza e expressá-la com precisão. Aristóteles na obra supra citada, p. 24, aduz que “o Começo é mais que a metade do todo”. Então, devíamos começar por ele. Por isso não me canso de citar o primeiro fato/causa - o primeiro homem (Adão) era completo em si mesmo. Destarte, a felicidade seria a busca de algo que já temos uma noção?! Pois possuímos como idéia essa primeira criação e a colocação do primeiro homem no paraíso, ainda que tenha havido a expulsão.
 
Portanto, eu julgo que o Estado não deve avocar a doação da felicidade individual ou coletiva, iludindo a todos como se fosse oferecer o paraíso. Nisso o socialismo errou, pois além de subtrair parte desse idealismo Platônico o mitigou, substancializando numa doutrina materialista. Contudo o Estado deve sim emancipar a pessoa com condições para que ela possa atingir esse incondicionado em busca da própria felicidade se assim quiser. Portanto, provei, para mim mesmo, que o estado não consegue como fim, senão enquanto meio, estabelecer uma conexão dos bens exteriores ao possível e suposto gozo da  felicidade individual ou coletiva.

Assim sendo, o “bem comum” tende a esse fim, qual seja, o de proporcionar aos cidadãos os meios que facilitem as suas conquistas individuais ou coletivas. Portanto, as políticas públicas devem ser de tal ordem que estejam em constante adequação. Não mais se podendo impor uma lei aos homens, mas dispor as coisas enquanto meio, para que possamos buscar esse bem maior, seja atingindo ou não. Mas então, eu vou à busca da felicidade e “nem interessa a causa do riso de Demócrito!”.


* Milton Luiz Gazaniga de Oliveira

Um comentário:

  1. Uma pretensão de expor ao Estado o “meio” e não o “fim” de cuidar das pessoas enquanto produtor do bem a ser buscado. De fato, não consegue como fim, senão enquanto meio, estabelecer uma conexão dos bens exteriores que possa oferecer permanentemente o gozo de uma suposta felicidade individual ou coletiva. O Estado deve proporcionar os meios desde a infância até a velhice. Jamais entregando os bens supostamente de resolução da felicidade, como num estado totalitário ilude e oprime seus tutelados.
    Segundo Aristóteles: “Mas então ninguém deve ser considerado feliz enquanto estiver vivo, e será preciso “ver o fim”

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