domingo, 24 de janeiro de 2016

A Justiça, o Sistema Civil Law e Common Law.

Falarei sobre: 

-A Legitimidade destes dois Sistemas. 

-As Funções Essenciais à Justiça; 

- Justiça e Equidade.

I - Justificativa do trabalho 

- Freqüentemente ocorrem equívocos sobre os referidos sistemas, pois muitos operadores do direito citam equivocadamente a doutrina e jurisprudência estabelecida no common Law, justificando como direito comparado. Por isso passamos de modo bem singelo distinguir o pilar da Justiça nos dois sistemas – Civil Law e Common Law. Alerto que não falarei de outros sistemas, como Sharia. Observo ainda alterações no novo CPC quando haverá semelhanças de procedimentos, por exemplo, súmulas vinculantes, porém não altera a essência do nosso ora adotado Civil Law.

II - Posicionamento do Tema

2.1 - O direito no Civil Law (que Brasil adota) vem de uma tradição Romana Germânica arraigada em códigos, numa generalidade das normas aplicadas ao caso concreto, tendo a Lei como fonte primária do direito. Por oportuno, registramos que as carreiras jurídicas no Brasil em tese são compostas pela meritocracia – concurso, exceto nos tribunais, pois parte dos Juízes são nomeados após procedimentos de listas quíntuplas e tríplices. 
2.2 - Já no Common Law, sistema jurídico anglo-saxão, verificamos a jurisprudência como fonte principal do direito, na qual as decisões dos tribunais superiores vinculam todas as outras decisões dos tribunais inferiores, sendo um sistema aberto. “O criador da lei (do direito) é o juiz e não o legislador”. Teoricamente, o Juiz é eleito pelo povo, tendo filiação partidária. 

III - A legitimidade passa a ser distinta nestes dois Sistemas.

A Questão Teórica Filosófica

3.1 - Sabemos que no mundo Democrático a soberania está no povo. Vide nossa Constituição (CRFB):

O art. 1º.
 ...
- Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

3.2 – Aqui nesta terra a legitimidade da justiça no Civil Law vem das leis elaboradas normalmente pelos representantes do povo, que é o legislador.
 
3.3 - No Common Law os julgadores em regra são escolhidos direta ou indiretamente pelo povo ou seus representantes, além, é claro, de obedecerem também normas escritas como a constituição de suas pátrias.

3.4) – Filosófica ou historicamente falando, o poder nos tempos remotos era prerrogativa dos reis e imperadores, sempre soberanos enquanto autoridades supremas sobre um grupo de pessoas — geralmente uma nação. Superior ao seu povo na ordem de representação externa nem igual na ordem interna e então o Estado pertencia ao Rei. (absolutismo).

3.5) A justiça era feita por seus delegados – Juízes indicados, nomeados ou eleitos em alguns casos, entre outros cargos como de Procuradores, enquanto sua extensão (do rei). Então, era recorrente o pensamento determinista de que “Deus fez os reis para o povo, e não o povo para os reis.”

3.6) No mundo democrático a soberania é do povo e o povo distribuiu esse poder (constituinte), delegando atividades diante de regras de competências e limites Constitucionais. Assim as delegações de atribuições são efetivadas e organizadas enquanto desconcentração de poder e especialização de funções (Vide Montesquieu). Portanto, a soberania do Estado não é mais real como antes, mas sim no sentido da pluralidade de fins específicos – divisão de atividades que uns chamam de poderes, eu de autonomias e disso já falei alhures.

IV - O Civil Law - modelo adotado pelo Brasil

4.1) O Civil Law tem sua matriz na legalidade, constituído de leis escritas (códigos, estatutos, regulamentos e regras...), as quais englobam de forma geral os casos particulares. A soberania do povo está no parlamento, o qual estabelece as leis. Portanto a soberania deixa de ser pessoal ou real (na figura do antigo magistrado, enquanto delegado do rei) para ser impessoal ou geral - da lei.

4.2) Então, no nosso Estado Democrático de direito em que a Justiça foi estabelecida no modelo Civil Law, a soberania muda de lugar, pois está no povo que delega a função de legislar aos seus representantes, exigindo-se bons legisladores.

4.3) O Poder de Legislar substituiu a lei da natureza humana ou a lei da razão (direito natural adotado às vezes nas monarquias). O poder de legislar se separou das demais funções de executar e de aplicar a lei, para não concentrar o poder e o Estado se transformar em Despótico. 

“Sem a lei, cada coisa é, em certo sentido, de qualquer homem, pois sem lesar ninguém ele pode pegar, possuir, e desfrutar tudo, terras, animais, frutas e mesmo o corpo de outros homens (escravidão)”.

4.4) A partir do momento em que surgiu a lei positiva, nasceu também a necessidade da distribuição da justiça a fim de que cada homem saiba o que lhe caiba.

V - A Tarefa/Atribuição das Carreiras Jurídicas

5.1) A Justiça passou a ser partilhada com atuação dos Operadores ou aplicadores do Direito (as Carreiras Jurídicas). Esses atores, ao se depararem com o caso concreto, devem identificar a lei que mais a ele se adéqua. Ocorre que o sistema Civil Law tem por escopo princípios objetivos derivados da lei. Assim, as leis estabelecem as pautas fundamentais do comportamento humano.

5.2) Desse modo surgiu a função de aplicação da Lei e conseqüente fazer Justiça de uma maneira mais legítima.

5.3) Portanto, a Justiça deriva da lei. Antes da lei e do legislador apenas existia a equidade e iniqüidade, mas não justiça. Após a existência da lei, criaram-se Tribunais de Justiça.

VI - A Equidade e Justiça

6.1) Aqui neste país não se vê tribunais de equidade, pois ocorre uma diferença que penso sejam distintos. Vejamos isso no diálogo entre o jurista e o filósofo em Thomas Hobbes :

“Jur. Um tribunal de justiça é o que tem conhecimento das causas que devem ser determinadas pelas leis positivas do país; e um tribunal de equidade é aquele a que pertencem às causas que devem ser determinadas por equidade, ou seja, pela lei da razão.” “Fil. Paremos por aqui. O que o senhor disse já me satisfaz, a mim que busco apenas distinguir entre justiça e equidade. E do que foi dito concluo que a justiça cumpre a lei, ao passo que a equidade interpreta a lei e emenda as sentenças dadas em conformidade com essa mesma lei. (...) equidade é uma razão perfeita que interpreta e emenda a lei escrita:”
 .
6.2) No direito pátrio a equidade não foi abolida, mas integrada, como exemplo temos a então lei de introdução ao código civil –LICC (com o novo CPC, devemos refazer a leitura) que num determinado sentido possibilita a aplicação da equidade, contudo, para adequar os casos as normas aplicáveis ou até nos de ausência da norma (ex. crimes cibernéticos antes da regulamentação). 

6.3) A aplicação da lei é a parte essencial do Estado, pois o poder de legislar sem a correta aplicação de nada vale, em especial, se não houver função que faça cumpri-la com justiça.

6.4) Em suma, nossa Constituição não concentrou o poder de aplicar a lei nas mãos de um só homem, mas o distribuiu estabelecendo as funções essenciais à justiça, nominando-as. Entre elas, como exemplo, a carreira de: Juízes; Advocacia Pública (AGU); Ministério Público, por seus Procuradores e Advogados. Com isso aboliu de vez o pensamento monárquico e aristocrático, em que a justiça era fornecida como dádiva por determinadas pessoas e cargos. Isso também ocorreu no Common Law que teve a origem mais acentuada nos costumes, tradições e equidade. Mas evoluiu para a legitimação do Juiz por escolhas democráticas, em regime jurídico diferenciado da meritocracia. 

6.5- No Brasil o Civil Law foi com razão adotado enquanto teoria do pensamento frente a história da nação, cuja diversidade de costumes, tradições, colonizações também por diversidade de povos e extensão territorial, não permitem outro sistema com base numa hegemonia desses pressupostos fáticos, como costumes, tradições, etc.

6.6) Então, registra-se a importância Constitucional das Funções Essenciais à Justiça, pois sem elas não haveria tribunais ou órgãos de justiça, mas de equidade, ou seja, haveria tribunais e Juízes de equidade em que aplicariam suas convicções, mesmo sem legitimidade de agir em nome do povo.

6.7) Por isso que as Funções Essenciais à Justiça devem ser equilibradas para que não haja entre Procurador, Advogado e Juiz qualquer hierarquia e subordinação, entendam-se também no plano econômico de remunerações e de prerrogativas.
(Nesta data existe um fosso remuneratório e de prerrogativas imenso entre as carreiras da AGU e as demais funções essenciais à Justiça, afetando toda a população, penso que seja propositadamente o  suposto inconsciente de Estado deste abismo, para apoderamento!).
 
6.8) Jamais poderá existir a supremacia de uma função em relação às outras, pois haveria conseqüente enfraquecimento da justiça. O desequilíbrio faria com que os Órgãos e Tribunais se transformassem em meros Juízos de equidade, ou seja, não mais se pautando pelas Leis, mas por suas razões e/ou meras convicções, ainda que deslegitimados pelo povo (o voto).
 
6.9) A partir daí, não mais saberíamos de modo mais claro o que poderíamos fazer ou abster-nos de fazer, sem antes consultar um juiz e esperar pela sorte de que ele seja um homem justo. Mas então, se assim fosse, todo o homem justo poderia julgar conforme a equidade. (Salomão, enquanto rei justo – sentenciou o caso das duas mães servindo-se da razão/direito natural da equidade, dizendo: Dividi em duas partes o menino vivo, e dai a metade a uma, e metade a outra; - descobrindo assim a verdadeira mãe).

6.10) Amigos, quando alguém reclamar que foi julgado contrário à lei, poderia até pensar que lhe foi aplicada a equidade, mas não a justiça, uma vez que após a existência da lei uma ação somente é justa quando não for contrária a lei que os representantes do povo legislaram em conformidade com a Constituição. Portanto, no mundo contemporâneo a justiça está na lei e não na equidade, nem deixada ao livre arbítrio de um julgador.

6.11. Finalmente, um julgamento contrário a norma constitucionalmente válida, usurpa a função parlamentar, pois se legislaria nos julgamentos e se desconsideraria as leis, muitas vezes equivocadamente em prol de convicções jusfilosóficas do julgador, pois certamente iriam aplicar a lei da natureza humana, ou da razão (direito natural) às partes e não a justiça do civil Law, que enxerga o caso a partir do todo, ou seja, do comportamento geral ao individual que a lei estabeleceu.

Milton Luiz Gazaniga de Oliveira


*Nos Estados Unidos da América - Existem três formas de escolha dos juízes. Eles podem ser indicados pelo Poder Executivo, com posterior confirmação pelo Legislativo, sendo o modelo adotado na Justiça Federal e em alguns estados. Os juízes também podem ser indicados pelo Executivo com escolha baseada em lista preparada por uma comissão independente. Por fim, também podem ser escolhidos mediante eleição popular.

3 comentários:

  1. Aqui citei uma das mais belas obras, o Diálogo entre o Jurista e o Filósofo em Thomas Hobbes, em que coloca as noções da Lei, Justiça e Equidade, distinguindo a justiça de equidade. Além disso, formulei o exemplo da justiça equitativa do Rei Salomão.
    Como tema central, expus as diferenças de modo tradicional entre os sistemas que sustentam a justiça Sistema Civil Law e Common Law, procurei indicar a questão da legitimidade da justiça, de modo que não seja um ato de autoridade singularizada, por si só, mas partida entre as funções essências à justiça e autorizada pelas regras do poder do povo.
    Enfim, todo o acadêmico e cidadãos deveriam ter essa primeira noção de justiça, pois não carrega qualquer grau de dificuldade disciplinar.

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  2. digo: "mas partilhada entre as funções essências à justiça e autorizada pelas regras do poder do povo."

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  3. Parabéns, pai! Muito interessante e elucidativo!

    Clarissa L. G. de Oliveira

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