Uma
Lei Natural não necessita estar escrita, ou melhor, não precisa derivar do
poder legislativo, mas se estiver escrita, legislada ou reconhecida pelo poder
legislativo, integrará o Direito Positivo Estatal. A Lei Natural tem sua validade superior
ao Estado, sendo universal, “o todo”, transcendendo o tempo e espaço
territorial. É relativamente abstrata, enquanto princípios. Ao contrário do
direito positivo onde este procura a estabilidade focado na segurança jurídica, sendo
limitado na sua vigência e validade territorial/espacial e temporal, por isso mutável e parcial de acordo com a constância do fluxo. Então, uma Lei Natural de caráter perene transcende ao referido direito positivo sendo este, como dito, mutável e parcial, aquela não.
Já
escrevi no texto “sobre o Instinto” e não nego que a Lei Natural procura a
justiça, e o sentimento de justiça começa no instinto. Para saber sobre a Lei
Natural então devemos nos socorrer também sobre a definição de “Instinto”, uma
vez que este comanda muitas atitudes ou condutas nos seres sensíveis. Repetindo
Voltaire: “Certa combinação secreta entre nossos órgãos e os objetos origina nosso
instinto”. “O Instinto nos move a
fazer mil movimentos involuntários, do mesmo modo que por instinto somos
curiosos, que procuramos a novidade, que a ameaça nos assusta, que o desprezo
nos irrita, que o ar submisso nos apazígua, que o choro nos enternece.”
Também diz ele no Diálogo: “B - Qual é a lei natural? A – O instinto, que nos dá o sentimento de
justiça? B – O que chamais de justo e injusto? –B – Tudo o que aparece como tal
ao universo todo.”. Essa colocação é aparentemente controvertida, uma vez
que o instinto tem um caráter individual, apesar certas manifestações adotarem
um padrão geral de reações parecidas em todos os indivíduos. Assim, acredito
que tudo aquilo que aparece no universo todo como tal, disse Voltaire, num modo
idêntico de reação instintiva dos seres sensíveis, ou seja, em qualquer lugar em que determinada conduta
for executada e observado um padrão de reação ou comportamento,
trata-se então da manifestação de uma lei natural. Diria que a equidade tem uma
base muito forte na lei natural. Como me referi no texto sobre “A Justiça, o Sistema Civil Law e Common Law”
onde me reportei à passagem do julgamento por equidade realizado pelo Rei
Salomão, pois o instinto natural da aludida Mãe não deixaria seu filho perecer.
Outro exemplo está no exercício da autotutela que se define como sendo a defesa de um direito em perigo, que esteja sendo violado. Ocorre
que o Estado não pode ser onipresente e permite ao individuo a defesa própria.
O exemplo mais comum é a legítima defesa estabelecida no Código Penal, ou seja,
neste caso o direito natural serviu como fonte e foi positivado.
Gostaria de deixar pontuado que teríamos duas
formas de se reconhecer a justiça: a uma pelo direito natural enquanto sentimento
de equidade. E a outra, pelo direito positivo. No direito positivo, a justiça
deixa de estar embasada na lei natural num sentimento de instinto, de equidade
para ser avocada ou apropriada pela Lei escrita, legislada, ou de outra forma
positivada. Poderá, numa matriz positivista, haver o sentimento de iniquidade
quando aplicada uma lei positiva contrária aos anseios ou sentimentos de
justiça do agente punido, porém, trata-se de uma regra moderna e usual de se
fazer justiça, enquanto segurança e estabilidade na tarefa da pacificação
social. Diz Voltaire: “B – O universo é
composto de muitas cabeças. Contam que na Lacedemônia aplaudiam-se os larápios
que, em Atenas, eram condenados às minas. A – Jogo de palavras, logomaquia,
equivoco. Não se podia cometer latrocínio em Esparta, pois tudo era comum. O
que chamais roubo, era a punição da avareza.”
Mas a Lei natural em regra é vista como uma norma
moral, dita como uma razão natural e desnecessária ser decorrente de obra dos
homens, mas de mera obediência. Em geral elas regem o mundo físico, por esse
motivo podem ser sensitivamente percebidas pelos instintos e até possível de se
prever fenômenos. Se alguém construir uma casa na barranca do rio ou do mar em local
já atingido por enchentes ou marés, estará inserido no espaço e tempo da possível
causa e efeito desses fenômenos e eventos já ocorridos e memorizados, havendo a
incidência de uma lei natural ainda que indeterminada no tempo. No entanto, uma Lei ou mandamento positivo, legislado,
poderá determinar que a administração pública construa aterros, muros ou diques
para evitar situações de eventos naturais e previsíveis ou que determine a
retirada da construção do local. Muitos chamam a Lei natural de Lei da razão, e
se perguntássemos para Platão ele diria que uma lei natural é tudo aquilo que
vem da alma, anterior, pois a alma é a primeira da natureza, pertencente ao
mundo inteligível, e somente depois da alma é que se fizeram as coisas
imperfeitas ou cópias degeneradas no mundo sensitivo. Desse modo, a
fonte da lei natural pode ser a natureza, a vontade de Deus ou a racionalidade
dos seres humanos. Assim, o
conceito mais apurado do que seja Lei Natural deve ser descrito segundo o
método filosófico ou matriz ideológica adotada pelo interessado em definir, e
muitos dos grandes filósofos/pensadores já escreveram sobre o tema. Então poderíamos
ainda adentrar nas questões de desigualdades naturais, como exemplo, a idade,
saúde, forças do corpo e da qualidade do espírito ou da alma e das desigualdades
políticas seja em poderes e prerrogativas entre tantas outras contingências,
etc, dizendo que parte expressiva das leis positivas derivou das leis naturais.
Então, conceituar o que seja é uma dificuldade que o próprio Rousseau reconheceu:
“Conhecendo tão pouco a natureza e
concordando tão mal sobre o sentido da palavra lei, seria bem difícil convir
sobre uma boa definição da lei natural” (p.26)
Milton Luiz Gazaniga de Oliveira
Referente:
- Dicionário Filosófico. Voltaire, texto
integral. Martin Claret, 2008.
-
Rousseau – A Origem da desigualdade entre os homens, 2ªed. Editora Escala, São
Paulo.
(Texto sujeito a
correções)