sábado, 4 de junho de 2016

O processo - primeiro a pacificação social depois a justiça.

Já tive uma natureza romântica sobre o processo (falo do processo em que o direito material nele é formal e ritualisticamente discutido para se chegar a determinado resultado quanto à aplicação ou exclusão de direito/regras jurídicas aplicadas diante do julgamento sobre um ato ou fato controvertido/conflituoso). Então, trata-se de um dogma denominado "o devido processo legal, Art. 5º , LIV, Constituição do Brasil".
Contudo, o processo além de ser um útil instrumento nos regimes democráticos, está presente até nos regimes absolutistas/totalitários/ditatoriais onde é permitido a pena de morte, prisão por tempo indeterminado ou perpétua. No entanto, nestes ao invés de executarem sumariamente seus oponentes, os submetem ao devido processo legal. Penso que assim o fazem para ficar de bem com a opinião pública, demonstrando ao público a justiça da sentença. Mas se sou pessimista, também imagino que assim procedem para desmoralizar o réu antes de executá-lo. Dar a impressão da imparcialidade sem fazer a justiça com as próprias mãos que aqui chamaria de autotutela. Como se não bastasse, permitem ainda o duplo grau de jurisdição ao tribunal composto de mais de um Juiz, para ninguém alegar que o julgamento se deu perante um "tribunal de exceção", ou seja, evitando que apenas um Juiz profira sentença definitiva. Do mesmo modo, até o tirano tem medo de assumir publicamente a responsabilidade exclusiva pela condenação e assim deve delegar a tarefa ao seu delegado-judicial. No aludido regime ditatorial em muitos casos trata-se de uma forma de educar a massa, criando um sentimento de ódio coletivo aos ideais representados pelo acusado, encontrando os laços de solidariedade social na base desse ódio; (O discurso do ódio é típico dos regimes totalitários). Outras mazelas podem ser registradas, como o de expropriar os bens do executado. De todo o modo, a paixão pelo processo faz parte da humanidade, chega ao ponto de a população idolatrar seus operadores! Então, os regimes totalitários podem fazer do processo um instrumento de legitimidade de seu abominável Poder. Contudo, é fato que o processo tenha uma origem ancestral em todas as civilizações, com as diversas formas e motivações. Muitos vêem o processo com uma tragédia, enquanto um destino incerto, com angústias sobre o futuro de alguém ou das coisas. Vide a obra de Kafka, o processo, em que o bancário é processado sem saber o motivo.  Nos casos extremos o processo pode dizer sobre o direito a vida de alguém e até dos nascituros. Mas de uma coisa ele consegue, diante das grandes injustiças em especial as coletivas, ou seja, a purificação das paixões e sentimentos de culpa, pois recoloca nela um pouco de reflexão (já descrevi em outros textos sobre a paixão que necessariamente deve ser controlada pela razão/pensamento, pois passa a se exteriorizar). No processo o controle das paixões passa ser a uma busca, inicialmente desconhecida, pela denominada “justiça”, sendo assim aceita como tal em que muitos se convencem que de fato fizeram algo errado, pois antes das solenidades do processo não admitiam. O processo em regra é publicizado, uma vez que é a exposição pública de um drama. Muitos temem o processo apenas num grau menor do que uma enfermidade ou a morte. Um processo pode ter a conotação de uma máquina de lavar roupas sujas. Ele sempre resulta de um conflito que não foi resolvido voluntariamente pelas partes. Sem um ideal de responsabilidade das pessoas, os processos serão a possível solução de paz, mas para tanto foi criado o dogma do “trânsito em julgado” para que as sentenças, sejam elas justas ou não, exerçam seu real papel o da “pacificação social”, mais do que a justiça em si. Falei do pessimismo, mas essa ideia está posta nas leis processuais cuja concepção é sempre pessimista da natureza humana. Dispõe de regras estabelecendo penalidades quando qualquer das partes contrariarem a marcha do processo, para fraudar ou mesmo se utilizar de malicia, retardar seu curso, iludir o juiz, colocar obstáculos, não executar ou cumprir o julgado, etc. Portanto, o princípio processual, oculto, tem apego no fato de "quem participa do processo não é de modo inegável uma pessoa do bem". Então, não poderei ser romântico como Carnelutti em se referir ao processo como uma forma de distribuir amor, mas creio seja uma forma de vingança civilizada, já que onde houver amor haverá poucos processos. E assim, o processo exerce seu real papel, qual seja “a pacificação social, mais do que justiça”.
Milton Luiz Gazaniga de Oliveira
Referentes:
O Processo, Franz Kafka, Editor Martins Claret Ltda, São Paulo, 2006.
Soibelman, Leib, Enciclopédia do Advogado. 1926. 3. Ed. Rio, 1981, 2ª tiragem.

2 comentários:

  1. No tocante a noção de justiça coloquei algumas palavras no textos: http://utquid.blogspot.com.br/2016/01/a-justica-o-sistema-civil-law-e-common.html

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  2. Ops... erros detectados, e outros podem estar escondidos!

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