terça-feira, 5 de julho de 2016

Lei Natural

Uma Lei Natural não necessita estar escrita, ou melhor, não precisa derivar do poder legislativo, mas se estiver escrita, legislada ou reconhecida pelo poder legislativo, integrará o Direito Positivo Estatal. A Lei Natural tem sua validade superior ao Estado, sendo universal, “o todo”, transcendendo o tempo e espaço territorial. É relativamente abstrata, enquanto princípios. Ao contrário do direito positivo onde este procura a estabilidade focado na segurança jurídica, sendo limitado na sua vigência e validade territorial/espacial e temporal, por isso mutável e parcial de acordo com a constância do fluxo. Então, uma Lei Natural de caráter perene transcende ao referido direito positivo sendo este, como dito, mutável e parcial, aquela não.
Já escrevi no texto “sobre o Instinto” e não nego que a Lei Natural procura a justiça, e o sentimento de justiça começa no instinto. Para saber sobre a Lei Natural então devemos nos socorrer também sobre a definição de “Instinto”, uma vez que este comanda muitas atitudes ou condutas nos seres sensíveis. Repetindo Voltaire: Certa combinação secreta entre nossos órgãos e os objetos origina nosso instinto”. “O Instinto nos move a fazer mil movimentos involuntários, do mesmo modo que por instinto somos curiosos, que procuramos a novidade, que a ameaça nos assusta, que o desprezo nos irrita, que o ar submisso nos apazígua, que o choro nos enternece.”
Também diz ele no Diálogo: “B - Qual é a lei natural? A – O instinto, que nos dá o sentimento de justiça? B – O que chamais de justo e injusto? –B – Tudo o que aparece como tal ao universo todo.”. Essa colocação é aparentemente controvertida, uma vez que o instinto tem um caráter individual, apesar certas manifestações adotarem um padrão geral de reações parecidas em todos os indivíduos. Assim, acredito que tudo aquilo que aparece no universo todo como tal, disse Voltaire, num modo idêntico de reação instintiva dos seres sensíveis, ou seja, em qualquer lugar em que determinada conduta for executada e observado um padrão de reação ou comportamento, trata-se então da manifestação de uma lei natural. Diria que a equidade tem uma base muito forte na lei natural. Como me referi no texto sobre “A Justiça, o Sistema Civil Law e Common Law” onde me reportei à passagem do julgamento por equidade realizado pelo Rei Salomão, pois o instinto natural da aludida Mãe não deixaria seu filho perecer. Outro exemplo está no exercício da autotutela que se define como sendo a defesa de um direito em perigo, que esteja sendo violado. Ocorre que o Estado não pode ser onipresente e permite ao individuo a defesa própria. O exemplo mais comum é a legítima defesa estabelecida no Código Penal, ou seja, neste caso o direito natural serviu como fonte e foi positivado.
Gostaria de deixar pontuado que teríamos duas formas de se reconhecer a justiça: a uma pelo direito natural enquanto sentimento de equidade. E a outra, pelo direito positivo. No direito positivo, a justiça deixa de estar embasada na lei natural num sentimento de instinto, de equidade para ser avocada ou apropriada pela Lei escrita, legislada, ou de outra forma positivada. Poderá, numa matriz positivista, haver o sentimento de iniquidade quando aplicada uma lei positiva contrária aos anseios ou sentimentos de justiça do agente punido, porém, trata-se de uma regra moderna e usual de se fazer justiça, enquanto segurança e estabilidade na tarefa da pacificação social. Diz Voltaire: “B – O universo é composto de muitas cabeças. Contam que na Lacedemônia aplaudiam-se os larápios que, em Atenas, eram condenados às minas. A – Jogo de palavras, logomaquia, equivoco. Não se podia cometer latrocínio em Esparta, pois tudo era comum. O que chamais roubo, era a punição da avareza.
Mas a Lei natural em regra é vista como uma norma moral, dita como uma razão natural e desnecessária ser decorrente de obra dos homens, mas de mera obediência. Em geral elas regem o mundo físico, por esse motivo podem ser sensitivamente percebidas pelos instintos e até possível de se prever fenômenos. Se alguém construir uma casa na barranca do rio ou do mar em local já atingido por enchentes ou marés, estará inserido no espaço e tempo da possível causa e efeito desses fenômenos e eventos já ocorridos e memorizados, havendo a incidência de uma lei natural ainda que indeterminada no tempo. No entanto,  uma Lei ou mandamento positivo, legislado, poderá determinar que a administração pública construa aterros, muros ou diques para evitar situações de eventos naturais e previsíveis ou que determine a retirada da construção do local. Muitos chamam a Lei natural de Lei da razão, e se perguntássemos para Platão ele diria que uma lei natural é tudo aquilo que vem da alma, anterior, pois a alma é a primeira da natureza, pertencente ao mundo inteligível, e somente depois da alma é que se fizeram as coisas imperfeitas ou cópias degeneradas no mundo sensitivo. Desse modo, a fonte da lei natural pode ser a natureza, a vontade de Deus ou a racionalidade dos seres humanos. Assim, o conceito mais apurado do que seja Lei Natural deve ser descrito segundo o método filosófico ou matriz ideológica adotada pelo interessado em definir, e muitos dos grandes filósofos/pensadores já escreveram sobre o tema. Então poderíamos ainda adentrar nas questões de desigualdades naturais, como exemplo, a idade, saúde, forças do corpo e da qualidade do espírito ou da alma e das desigualdades políticas seja em poderes e prerrogativas entre tantas outras contingências, etc, dizendo que parte expressiva das leis positivas derivou das leis naturais. Então, conceituar o que seja é uma dificuldade que o próprio Rousseau reconheceu: “Conhecendo tão pouco a natureza e concordando tão mal sobre o sentido da palavra lei, seria bem difícil convir sobre uma boa definição da lei natural” (p.26)
Milton Luiz Gazaniga de Oliveira
Referente:
- Dicionário Filosófico. Voltaire, texto integral. Martin Claret, 2008.
- Rousseau – A Origem da desigualdade entre os homens, 2ªed. Editora Escala, São Paulo.

(Texto sujeito a correções) 

Um comentário:

  1. Interessante a questão da relação entre o instinto e a lei Natural, em especial quando o instinto decorrer de determinado padrão de comportamento.

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