A Receita Federal[1] (obs. até a data de edição deste livro, em 2008) tinha ou tem o seguinte entendimento sobre o tema Contratos de Parceria e Arredamento,
no tópico perguntas e respostas. Vejamos:
“Contratos de Parceria e Arrendamento
078.
Para a legislação do ITR, o que é parceria rural?
O conceito é o mesmo das legislações
civil e agrária. É o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à
outra, por tempo determinado ou não, o exercício, parcial, do poder de uso de
imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias,
outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de
exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e ou
lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de
matérias-primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito
e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros
havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da
lei (Estatuto da Terra, art. 96, VI e Dec. nº 59.566/66).
079.
Quais são as espécies de contrato de parceria rural?
Há duas espécies de parceria, a
agrícola (CC, art. 1.410) e a pecuária (CC, art. 1.416), conforme o objeto seja
o cultivo da terra ou o tratamento e criação dos animais, nada impedindo que no
mesmo contrato as duas finalidades sejam reunidas.
080.
Quais as características do contrato de parceria agrícola?
Contrato consensual, bilateral,
oneroso, aleatório e intuitu personae, vale dizer, intransmissível por ato
inter vivos ou causa mortis. Mas subsiste quando o prédio se aliena,
mantendo-se a situação do parceiro-cultivador, e sub-rogando-se no adquirente
os direitos e obrigações do alienante.
Se tiver sido ajustado por prazo
determinado, a duração convencionada tem de respeitar-se; se por prazo
indeterminado, o adquirente há de esperar até a próxima colheita, e não despedirá
o parceiro senão mediante pré-aviso de seis meses.
O proprietário tem o dever de entregar
o prédio em condições de receber o cultivo, salvo estipulação em contrário, e a
ele incumbem os encargos do prédio, se os não assumir o colono (CC, art.
1.411). O parceiro tem o dever de empregar toda a sua diligência nos trabalhos
agrícolas, procedendo conforme determina a boa-fé. Realizará as culturas
contratadas, dando os seus esforços para que produzam o maior rendimento.
Sendo aleatório o contrato, não tem qualquer
das partes direito a um proveito ou retribuição certa. Ao contrário, os riscos
de caso fortuito ou força maior correrão em comum contra o proprietário e o
parceiro. Aplicam-se subsidiariamente a este contrato as regras da locação de
prédios rústicos (Caio Mário da Silva Pereira, in Instituições de Direito
Civil).
081.
O que se entende por parceria pecuária?
O proprietário tem a obrigação de
entregar ao parceiro-tratador os animais, de acordo com o contrato. Sofrerá,
aquele, os prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, porém
cabem-lhe os proveitos que se obtenham dos animais mortos, pertencentes ao
capital (CC, art. 1.420). Ao parceiro-tratador incumbem, salvo ajuste em
contrário, as despesas com o tratamento e criação. As crias dos animais, e os
seus produtos, como peles, crinas, lãs, leite, deverão ser partilhadas segundo
o que tiver sido estipulado, e, na falta de ajuste, em partes iguais.
Aplicam-se subsidiariamente a este contrato as regras da sociedade (Caio Mário
da Silva Pereira, in Instituições de Direito Civil).
082.
Para efeito do ITR, o que é arrendamento rural?
O ITR adota o mesmo entendimento das
legislações civil e agrária. É o contrato agrário pelo qual o titular se obriga
a ceder a outra pessoa, por tempo determinado ou não, o exercício, parcial, dos
poderes de uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo ou
não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser
exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa
ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites
percentuais da lei (Dec. nº 59.566/66). O cedente é chamado de arrendador,
enquanto o arrendatário é a pessoa que recebe o prédio em aluguel ou
arrendamento. O arrendador pode ser o proprietário, o usufrutuário, o usuário
ou possuidor, enfim aquele que tenha a livre administração do imóvel rural
(Pinto Ferreira, in Curso de Direito Agrário).
083.
No que diferem os contratos agrários de parceria e de arrendamento?
Os contratos de parceria e de
arrendamento, quanto à natureza jurídica, configuram obrigação pessoal (direito
obrigacional), porém diferem:
I - quanto ao exercício dos poderes
inerentes ao domínio:
a) no contrato de parceria, o cedente
(parceiro-outorgante) transfere apenas o exercício, parcial, do poder de uso;
b)
no contrato de arrendamento, o cedente (arrendador) transfere ao arrendatário o
exercício, parcial, dos poderes de uso e gozo.
II - quanto à responsabilidade pelos
riscos da atividade e remuneração do cedente:
a) no arrendamento, o cedente
(arrendador) recebe do arrendatário retribuição certa ou aluguel, pouco
importando se este se houve bem ou mal no empreendimento;
b)
na parceria, o cedente (parceiro-outorgante) partilha com o parceiro-outorgado
os riscos e os lucros havidos, conforme avençado.
084.
A relação jurídica, estabelecida pelo contrato de arrendamento de imóvel rural
ou de parceria rural ou de comodato de imóvel rural, é de natureza
obrigacional. O que distingue o direito real do direito obrigacional ou pessoal?
I - O direito real tem as seguintes
características:
a)
é provido de ação real, que prevalece contra qualquer detentor da coisa, razão
pela qual preferem muitos denominá-lo de absoluto;
b) oponibilidade erga omnes: no polo ativo da relação jurídica está o titular do direito real sobre determinado bem ou coisa; no polo passivo estão todas as pessoas da coletividade, indeterminadamente. A oponibilidade erga omnes, portanto, consiste no poder assegurado ao titular de um direito real de opor contra todas as pessoas da comunidade esse seu direito, devendo estas nada fazer, senão se abster ou tolerar;
b) oponibilidade erga omnes: no polo ativo da relação jurídica está o titular do direito real sobre determinado bem ou coisa; no polo passivo estão todas as pessoas da coletividade, indeterminadamente. A oponibilidade erga omnes, portanto, consiste no poder assegurado ao titular de um direito real de opor contra todas as pessoas da comunidade esse seu direito, devendo estas nada fazer, senão se abster ou tolerar;
c) aderência: ambulatoriedade e seqüela - pela aderência o direito se une à coisa de forma inseparável ou incindível, de sorte que se esta muda de lugar ou muda de detentor, o direito continua ligado a ela. Ora, se o direito também se movimenta sempre que a coisa se movimentar, deve-se concluir que o direito real é um direito ambulante, é um direito que se movimenta. Ambulatoriedade é, precisamente, essa capacidade que tem o direito real de se movimentar.
Seqüela significa o poder conferido ao titular
de um direito real de perseguir a coisa, tomar e trazê-la de volta;
d)
taxatividade (tipologia numerus clausus) – o nº de direitos reais é taxativo,
vale dizer, numerus clausus. Isso significa que os direitos reais têm um modelo
definido pela própria lei que os cria (tipicidade) e um nome (nominatividade),
não podendo as partes criar nenhum outro;
e)
normas cogentes (de interesse público, inderrogáveis pelas partes), ou seja, de
observância obrigatória;
f)
posse – somente os direitos reais são suscetíveis de posse;
g) perenidade.
g) perenidade.
II - O direito obrigacional ou pessoal
tem as seguintes características:
a)
direito relativo – só vincula juridicamente as partes contraentes. No polo
ativo, está o credor da obrigação; no polo passivo, está o devedor da
obrigação, cujo objeto é uma prestação positiva ou negativa (dar, fazer ou não
fazer);
b) tipologia numerus apertus, ou seja, a tipologia é livre, desde que se respeite o seguinte: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei;
c) normas dispositivas (de livre fixação pelas partes contraentes);
d) transitoriedade.
b) tipologia numerus apertus, ou seja, a tipologia é livre, desde que se respeite o seguinte: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei;
c) normas dispositivas (de livre fixação pelas partes contraentes);
d) transitoriedade.
085.
O que vem a ser falsa parceria?
Em algumas regiões do País, entende-se
ou dá-se o nome de "parceria" a um contrato de trabalho rural, no
qual o trabalhador percebe salário, parte em dinheiro e parte percentual da
lavoura cultivada ou do gado tratado. Neste caso, a direção dos trabalhos, o
custeio e conseqüente risco do empreendimento são de inteira e exclusiva
responsabilidade do proprietário do imóvel rural. Portanto, trata-se de falsa
parceria ou contrato de trabalho rural (Pinto Ferreira, in Curso de Direito
Agrário).”
3. Imóveis rurais destinados à Reforma
Agrária – Projetos de Assentamentos – restrições ao arrendamento e parceria.
Os Imóveis rurais desapropriados e
destinados à Reforma Agrária são tratados de modo especial pela legislação
federal. Assim sendo, a parceria e arrendamento rural tendo como objeto esses
bens, de um modo geral são nulos.
3.1 Ocorre que ao promover a
desapropriação, normalmente através de ação judicial, com a concessão de medida
liminar concedendo a posse ao INCRA, ou mesmo diante da decisão em definitivo
transitada em julgado, a referida Autarquia Fundiária, por ato administrativo
(portaria) cria o Projeto de Assentamento (PA).
Ali fixa um determinado número de
famílias de acordo com a capacidade do imóvel para que nele elas possam exercer
a atividade com possibilidade de extrair renda digna para seu sustento.
Leva-se em conta a vocação, a vivência no meio
rural e a capacidade profissional do assentado para a atividade agropecuária.
Primeiramente é formalizado um contrato
de assentamento que transfere apenas a posse direta do imóvel para uso e gozo,
porém, os assentados não detêm o poder de dispor do bem do modo que lhes
convém.
Os assentados são rigorosamente
acompanhados pelos INCRA, objetivando a emancipação sócio-econômica deles e,
por conseqüência, a consolidação do projeto.
Esse processo poderá demorar anos, uma
vez que a Autarquia no interesse do crescimento das pessoas beneficiadas pelo
programa, possibilita financiamentos como exemplo, o de infra-estrutura básica
para que famílias previamente selecionadas se instalem, disponibilizando vias
de acesso, energia elétrica, escolas, armazéns e serviços de assistência
técnicas e creditícias.
A conseqüência disso decorre que os
assentados adquirirão a propriedade plena somente após ato de consolidação ou
emancipação do projeto com a concessão dos títulos definitivos. Mesmo após a
concessão do referido título, não poderão negociá-lo pelo período de 10 anos,
computado o período contratual.
Enquanto isso não ocorrer, a exploração
da área tem nítido caráter pessoal e intransferível a terceiros, segundo o art
59 do Decreto 59.428/66 o parceleiro deve “cultivar direta e pessoalmente sua parcela”, de modo que eventual contrato com
terceiro, por ele realizado, ferirá disposição expressa de legislação Federal.
Vejamos a Lei nº 8.629/93:
“Art. 18 - A distribuição de imóveis
rurais pela reforma agrária far-se- á através de títulos de domínio ou de
concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de 10 (dez) anos.
§ 1º O
título de domínio de que trata este artigo conterá cláusulas resolutivas e será
outorgado ao beneficiário do programa de reforma agrária de forma individual ou
coletiva, após a realização dos serviços de medição e demarcação topográfica do
imóvel a ser alienado.
§
2° Na implantação do projeto de assentamento, será celebrado com o beneficiário
do programa de reforma agrária contrato de concessão de uso, de forma
individual ou coletiva que conterá cláusulas resolutivas, estipulando-se os
direitos e as obrigações da entidade concedente e dos concessionários,
assegurando-se a estes o direito de adquirir, em definitivo, o título de
domínio, nas condições previstas no parágrafo anterior, computado o período da
concessão para fins da inegociabilidade de que trata este artigo.
Art.
22 - Constará, obrigatoriamente, dos instrumentos translativos de domínio ou de
concessão de uso cláusula resolutória que preveja a rescisão do contrato e o
retorno do imóvel ao órgão alienante ou concedente, no caso de descumprimento
de quaisquer das obrigações assumidas pelo adquirente ou concessionário. “
A
presente Lei recepcionou o Decreto 59.428/66, cujo art. 77 autoriza a rescisão
contratutal:
“Art 77. Será motivo de rescisão contratual:
a) deixar de cultivar direta e pessoalmente sua parcela por
espaço de três meses, salvo motivo de força maior, a juízo da Administração do
núcleo;
b) deixar de residir no local do trabalho ou em área pertencente
ao núcleo, salvo justa causa reconhecida pela Administração;
c) desmatar indiscriminadamente, sem imediato aproveitamento
agrícola do solo e respectivo reflorestamento, de acordo com diretrizes do
projeto elaborado para a área;
d) não observar as diretrizes técnicas, econômicas e sociais
definidas no respectivo projeto de colonização, desde que esteja o parceleiro
convenientemente assistido e orientado.
e) não dar cumprimento às condições do termo de compromisso e dos
contratos de promessa de compra e venda e de colonização;
f) tornar-se elemento de perturbação para o desenvolvimento dos
trabalhos de colonização do núcleo, pró má conduta ou inadaptação à vida
comunitária.”
3.2
No tocante a perspectiva do direito à propriedade, por parte dos assentados,
pode-se dizer que a consolidação de um assentamento deriva de um procedimento
de verificação da condição de vida autônoma do projeto, sempre por ato
declaratório do órgão, art. 68 da Lei 4.504/64:
.
“Art.
68. A emancipação do núcleo ocorrerá quando este tiver condições de vida
autônoma, e será declarada por ato do órgão competente, observados os preceitos
legais e regulamentares.”
Os
preceitos legais e regulamentares a que se refere este artigo são
desconhecidos, com exceção à Norma de Execução nº 09 de 2001, a qual
transcrevemos no anexo III item 5, que estabelece procedimentos de caráter
interno ao Órgão.
Esse
é mais um ponto nebuloso na legislação agrária que impede seja aplicada uma
política agrícola transparente no tocante à emancipação de um projeto de
assentamento, ficando à mercê da discricionariedade da administração pública em
regulamentar, muitas vezes paternalista e noutras ausente dos problemas.
Assim
o rumo à emancipação de um projeto tem que ser regrado ou vinculado através de
metas e padrões sociais numa visão interdisciplinar da política agrária
(questões econômicas/rendas, educação/alfabetização crescente, saúde/higiene
sanidade...)
Por
ora resta retornar ao tema, confiando na discricionariedade administrativa dos
Órgãos encarregados.
Assim
ao não ter sido efetivado o requisito de vida autônoma, o direito ao imóvel
constitui-se em mera expectativa que não pode ser oposta ao direito de
propriedade do Órgão Público/UNIÃO.
Ademais,
em hipótese alguma poderá ser considerado como direito adquirido enquanto o
assentamento não estiver consolidado, ficando os atos de vontade do particular
vinculado ao certame legal acima (discricionariedade da administração).
3.3
Por outro lado, os contratos de assentamento são constituídos de cláusulas
financeiras, as quais obrigatoriamente consignam a cobrança do valor da terra
nua desapropriada e parcelada. No entanto, na maioria das vezes os
ressarcimentos desses valores são protelados diante da notória condição
hipossuficiente dos assentados.
Isso
faz com que o projeto de emancipação seja adiado, com novos investimentos por
parte do Órgão em busca do progresso
social e econômico do núcleo.
Portanto, está posta a razão pela qual
os contratos de arrendamento e de parceria sofrem severas restrições no tocante
às áreas destinadas à reforma agrária.
Fato que nos autoriza dizer que são
nulos objetivamente e subjetivamente, uma vez que o bem imóvel como objeto tem
destinação específica com uso controlado ou de fins especializado, assim como a
característica da pessoa/sujeito que explora o imóvel é levada em conta.
3.4 Diga-se, enquanto o titulo de
propriedade não for transmitido com a decorrência do lapso de dez anos, as
terras destinadas à reforma agrária são de propriedade da União, portanto,
relativo ao objeto do contrato também temos restrições. Vejamos o que diz o
Estatuto da Terra:
Lei 4.504/66:
Art. 94. É vedado contrato de arrendamento ou parceria na
exploração de terras de propriedade pública, ressalvado o disposto no parágrafo
único deste artigo.
Parágrafo único. Excepcionalmente, poderão ser arrendadas ou
dadas em parceria terras de propriedade púbica, quando:
a) razões de segurança nacional o determinarem;
b) áreas de núcleos de colonização pioneira, na sua fase de
implantação, forem organizadas para fins de demonstração;
c) forem motivo de posse pacífica e a justo título,
reconhecida pelo Poder Público, antes da vigência desta Lei.
Em
suma os contratos de assentamento são constituídos intuitu personae com
cláusulas financeiras de ressarcimento do valor da terra nua desapropriada,
muitas vezes protelado em razão da condição hipossuficiente dos assentados,
sendo que a propriedade da União sofre restrições ao arrendamento e parceria no
art. 94 do Estatuto da Terra.