terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O Ordenamento Jurídico, do Simples ao Complexo, a Substância Justiça

1) O Ordenamento Jurídico
Neste texto, pretende-se investigar o modo de escolher a norma legal aplicável ao caso concreto, mas que não sofra a rejeição do ordenamento jurídico e por sua vez se tornando inútil. Então partiremos da percepção de que temos em mente a Norma Fundamental (Constituição elaborada por poder constituinte originário) como termo unificador das normas que compõem o ordenamento jurídico. O problema do ordenamento jurídico é a composição de suas partes, ou seja, as regras gerais, especiais e/ou extravagantes, na adequação delas no tempo, espaço e matéria. Assim, quando totalizamos essas regras, elas se constituem numa síntese, isto é, uma unidade, mas tal como substâncias também podem ser decompostas, podendo produzir substratos positivos ou negativos. Todavia, sendo a composição um arranjo ou combinação, muitas vezes não significa que resulte na ordenação dos elementos, podendo ocorrer antíteses, conflitos ou paradoxos de normas diante da efetiva aplicação. Assim sendo, como uma regra aceita no meio jurídico tem-se como pressuposto de que as leis não podem se estabelecer no ordenamento em antítese ou antagonismos, sob pena delas deporem contra o próprio ordenamento.
No entanto, se o ordenamento constitui um sistema, indo do simples ao complexo, as contradições podem ser resolvidas através de eliminação ou adequação dos elementos antagônicos ou aparentemente em conflitos. Dessa adequação, resultará ou gerará uma espécie de substância/síntese de justiça, ligando o ordenamento ao resultado, determinando a resolução ou não do conflito posto sob o cuidado normativo escorreito dos referidos vícios.
Como dito, essa substância jurídica ordenada constitui uma unidade, em que pese ser formado por elementos que isoladamente são indivisíveis, integrando sem perder as propriedades jurídicas especializadas. Portanto, essas regras devem estar conexas no ordenamento. Citaremos, abaixo, exemplo extremado de conflito insolúvel e de conseqüente exclusão da regra do ordenamento jurídico: Imaginamos um código que estabeleça minuciosamente os procedimentos formais e materiais para aplicação da pena de morte cujo paradigma encontrou no direito comparado americano a mais sólida justificação doutrinária. Evidentemente que tal regra estaria em conflito com nossa Constituição, pois aqui não adotamos a pena de morte. Assim estaria contrária à Constituição e excluiríamos sua aplicação, pois não se formaria qualquer substancia jurídica aprazível na composição da justiça. Mas tal exemplo serve de alerta, pois aqui no meio jurídico, em diversos temas, alguns doutrinadores e julgadores desavisados procuram trazer o direito comparado para dentro das questões judiciais do direito brasileiro, mas isso pode se fazer equivocadamente sem o menor cuidado com a possibilidade da rejeição total ou parcial de elemento antagônico incorporado e pretensamente introduzido no ordenamento jurídico, se tornando indevida a inovação.
Toda a disfunção desses elementos/regras merece análise pelos Operadores do Direito, objetivando a resolução de conflitos normativos para restabelecer a síntese. Sugere-se, como solução possível, pensar numa ordem estrutural, ao começar pelo monista/positivista, com enfoque na neutralidade e objetividade científica do direito. Logicamente, no sentido de compatibilizar ou rejeitar a regra analisada pela conformação desta com a norma fundamental, considerando ainda o lado da validade, isto é, uma visão Kelseniana. Ou ainda nos fundamentos funcionais do direito, verificando as contradições, lacunas, vazio, completude, ou quiçá, no pluralismo de ordens parciais, localizando e ordenando as normas, percebendo o conceito promocional delas em prol do direito de conquistas positivas do povo, num jogo democrático de respeito às regras, em se falando de uma visão bobbiana, e de outros similares pensadores.
 
2) Do simples ao Complexo - e casos objetivamente claros.
Vale ressaltar que o Poder Originário, descrito como Norma Fundamental (ou simplesmente a constituição elaborada por um poder constituinte originário ou derivado), é o pressuposto de um ordenamento simples, “Chamamos esse poder originário de fonte das fontes. Se todas as normas derivassem diretamente do poder originário, encontrar-nos-íamos frente a um ordenamento simples.” (NB TOJ – 41). Mas no Brasil existe ordenamento simples?! É prudente que se responda sim, pois em regra é aquele em que já pode ser executado obedecendo diretamente o comando da Constituição, sem necessitar de regulamentação. Exemplifico (para mim mesmo) - Imaginamos a fixação do teto remuneratório constitucional, art. 37, XI e XII. Tal regra decorre diretamente da Constituição, nesse caso a norma fundamental não necessita que a pirâmide tenha vários andares de ordenamento, ou seja, de leis que regulamentem a Constituição em sede de produção legislativa, pois o seu comando já emana ou decorre diretamente dessa fonte primária/originária. Chamaríamos então de auto-aplacável – portanto, o regramento no caso citado, é direto, de modo que verificamos estar diante de um ordenamento simples e diretamente exequível. Disso decorre que nenhuma outra norma/regra/regulamento ou decisão pode ser inserida entre a constituição e o caso jurídico para justificar ou criar fatores de complexidade da matéria. Ocorre que o tema se encontra na órbita de comando simples da constituição no que se refere ao fato de os servidores não poderem auferir uma remuneração superior ao teto. Nem as decisões judiciais podem ser permissivas, uma vez que não possuem validade, nem legitimidade de autoridade, pois o poder constituinte não delegou a ninguém qualquer produção legislativa ou atos de execução que transcendam o texto originário! Assim, aqueles que querem usufruir de benefícios e penduricalhos superiores ao teto enveredam, indevidamente, para a complexidade do sistema, contudo sem qualquer razão, pois há momentos em que a Constituição determina o simples e não o complexo. Nesse caso “a Constituição encerra a fase poder dever na sua própria estrutura, comandando apenas a execução, não permitindo a produção.” Outro sistema simples pode ser visto no art. 39 da CRFB em que a Constituição Federal também ordena uma simples execução, ou seja, que se faça uma Lei dentro dos parâmetros já estabelecidos. Logicamente, o tema autorizado dever ser esgotada na primeira produção legislativa, imediatamente no primeiro andar/degrau da pirâmide de produção normativa. No entanto, o que se observa hoje nos portais de transparência, é o fato de a remuneração de determinados servidores cuja responsabilidade e complexidades das atribuições são de meios ou de rotinas administrativas, mas que possuem ganhos muito além do proporcional às responsabilidades funcionais e profissionais, porém, outros servidores de órgãos diferentes, mas com tarefas similares e de mesma natureza recebendo remuneração bem aquém. O exemplo típico também ocorre nas funções essenciais à Justiça, entre as carreiras jurídicas, numa verdadeira disfunção remuneratória e estrutural abusiva. A resposta deveria ser dada pelo legislador em arrumar as disfunções constitucionais para equilibrar o direito e Justiça.
Retornando ao tema. Notamos que a complexidade do ordenamento decorre da constatação de que as normas afluem de diversos canais, em especial da nascente sociedade civil em que nela vigem normas de todos os gêneros, religiosas, morais, sociais, contratuais/convencionais... Por outro lado, o poder originário necessita estar atualizado, havendo então uma multiplicação de fontes, que o próprio poder originário concede e se auto-limita, subtraindo de si próprio parte do poder soberano normativo, criando um plexo de autorizações, seja de conteúdo formal, material e de atores competentes para editar normas.E a mais sabia forma de se atualizar a constituição deriva da autorização para emendar a constituição - as emendas constitucionais de um poder constituinte derivado.

3) A Substância da Justiça
Portanto, o Operador do Direito deve estar atento à complexidade do ordenamento jurídico. Observar a existência de regras jurídicas precedentes ao poder constituinte, em que a recepção deve ser observada cuidadosamente, assim como as delegações de poder de produção legislativa. Cuidar se os costumes têm comportamento uniforme e duradouro, enquanto produto ou substância natural. As conexões integrativas entre as normas genéricas e específicas, respeitando a autonomia privada como fonte de interesses que devem integrar o ordenamento estatal. Somente assim “o ordenamento jurídico produzirá a substância normativa capaz de alimentar/materializar a Justiça”. Falo de uma justiça geral, de Estado, não apenas na circunscrição do judiciário. E todo aquele que exercer o ofício jurídico tem o dever primário de preservar e exercitar o ordenamento jurídico, resolvendo as antinomias e conflitos de normas, para “que a justiça seja feita preferencialmente dentro do próprio ordenamento jurídico, rejeitando qualquer outra forma de justiça autocrática, despótica ou baseada em direito extraterritorial inapropriado”, evitando o mero ato de autoridade exercido fora do âmbito do Estado Democrático de Direito.


Milton Luiz Gazaniga de Oliveira

2 comentários:

  1. Usando o trocadilho, o assunto diz respeito ao desrespeito a Constituição Federal. Falo do ordenamento jurídico e exaltei as formas tradicionais de conectar o sistema normativo. Como se fosse uma malha de vias urbanas, mas de leis, ou seja, pode haver várias vias para se chegar ao local desejado ou do resultado pretendido. O que não pode é passar por cima das casas e prédios, como alguns fazem com a Constituição. Inventam desvios quando ela indica claramente por aonde ir ou o que se deve fazer de modo simples. Por exemplo, quando se fixa o teto constitucional, cujo cumprimento de ordenação é primário diretamente da Constituição, ficam criando caminhos vicinais para esconder malas de dinheiros em remunerações e benefícios, constitucionalmente indevidos!
    Portanto, discorro sobre as formas de interpretação no âmbito do ordenamento jurídico, como qualquer acadêmico é capaz de fazer melhor. Mas o problema é de aplicação, uma questão de moral, ética, vocação e civismo!

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  2. Chamaríamos então de auto-aplacável – portanto, o regramento no caso citado, é direto, de modo que verificamos estar diante de um ordenamento simples e diretamente exequível. Disso decorre que nenhuma outra norma/regra/regulamento ou decisão pode ser inserida entre a constituição e o caso jurídico para justificar ou criar fatores de complexidade da matéria. Ocorre que o tema se encontra na órbita de comando simples da constituição no que se refere ao fato de os servidores não poderem auferir uma remuneração superior ao teto. Nem as decisões judiciais podem ser permissivas, uma vez que não possuem validade, nem legitimidade de autoridade, pois o poder constituinte não delegou a ninguém qualquer produção legislativa ou atos de execução que transcendam o texto originário! Assim, aqueles que querem usufruir de benefícios e penduricalhos superiores ao teto enveredam, indevidamente, para a complexidade do sistema, contudo sem qualquer razão, pois há momentos em que a Constituição determina o simples e não o complexo.

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